¬ Lição de economia nº29: a redução nos impostos e a "economia do lado da oferta"

Há um um grupo de economistas conhecidos como Supply-Siders, ou, em termos tipiniquins, economistas do lado da oferta. O tema é oportuno e merece algumas reflexões adicionais. Toda a história começa com alguns artigos publicados no Wall Street Journal na década de 1970. Seu novo editor, Robert Bartley, aderiu a uma linha de pensamento (ideológica) surgida a partir de alguns economistas e jornalistas conservadores da época, os quais não possuíam muita notoriedade no meio acadêmico. Como bem caracteriza Krugman essa corrente, em Vendendo Prosperidade: "A economia do lado da oferta foi e continua sendo um movimento de intrusos, de um pequeno grupo que nunca conseguiu respeitabilidade nem mesmo da principal corrente conservadora, exilados em seu próprio país intelectual. No entanto, esse grupo chegou a controlar, primeiro, o mais poderoso jornal de negócios do mundo, depois, a política econômica da nação mais poderosa do mundo [...] Portanto, o grupo que Bartley reuniu e promoveu era mais estranho e 'selvagem' do que um mero grupo de economistas conservadores; era mais como um culto ou uma seita do que uma escola de pensamento". Não são estes "teóricos", portanto, nem monetaristas nem keynesianos de acordo com a classificação habitual. Por que então estes "economistas" ganharam o mundo?

Tarefa não muito árdua, pois contaram tanto com a ajuda de dois economistas renomados da época, Robert Mundell e Arthur Laffer (aquele da famosa "curva de Laffer", a qual mostra uma relação inversa entre o nível de impostos e o volume da arrecadação); quanto como com a facilidade e simplicidade da aceitação de suas idéias, por mais estranhas que pudessem parecer. Assim, com o auxílio destes dois economistas, conseguiram convencer a imprensa, e os incautos de um modo geral, que o problema da oferta, ou crescimento da economia, estava assentado em um pilar diferente do tratado corriqueiramente. Enquanto uma corrente da economia denominada de keynesianos, por exemplo, diria que a oferta não cresce pela insuficiência de demanda (ou insuficiência de consumo), um Supply-Sider afirmaria, do contrário, que o entrave ao crescimento encontra-se no nível elevado dos impostos. Pequenos aumentos nos impostos podem ter efeitos negativos sobre a atividade econômica. Sendo assim, a redução destes ocasionaria um efeito inverso, estimulando a produção. Rejeitam, portanto, qualquer política que tente atuar sobre a demanda no intuito de controlar a produção, principalmente a política monetária.

Diante da simplicidade e, por conseguinte, da atratividade de tal discurso, além da nossa antiga tradição de importar tudo que venha do hemisfério norte, de produtos a ideologias, esse enfoque ideológico fincou raízes no Brasil e serve de discurso político pra um naco de empresário, políticos e economitas.  Tão conservadores quanto os de lá, lutam veementemente pela redução dos impostos acreditando que isso, por si só, será o motor do nosso crescimento, que esse é o único entrave ao avanço do Brasil. Todavia, como a história serve sempre de aliada, notamos, em um passado não muito remoto, que as experiências de redução de impostos servem apenas para aumentar as margens de lucro daqueles que a defendem.

Olhando por outro prisma, o que nos assegura que a redução nos impostos fará com que haja um aumento na produção e conseqüente redução nos preços dos produtos finais? Se considerarmos que não há problemas de demanda na economia, ou seja, que ela está aquecida, nos indagamos: o que motivará um empresário a produzir mais se ele pode embolsar essa queda nos impostos, já que a demanda não se alterou? Não parece haver motivo plausível. É notório que quanto maior a carga tributária menos o setor privado investe, menos o governo arrecada em função das evasões fiscais (é o que mostra a "curva de Laffer"), e com isso menor poupança do Estado. Contudo, o que garante que com uma redução no nível de impostos a economia seja aquecida e o Estado aumente a arrecadação? Não existe nenhum indício lógico do funcionamento da "curva de Laffer" no sentido contrário - ainda que esta seja útil quando tratamos do aumento nos impostos. Apesar disso, o enfoque dos Supply-Siders não se torna menos atraente àqueles que pouco entendem de economia.

Não podemos negar que a carga tributária no Brasil é alta e que, associado a isso, temos uma grande evasão fiscal. Entretanto, talvez fosse mais profícuo tentar lembrar de uma importante variável macroeconômica denominada taxa de juros. Em se tratando de carga tributária, ainda perdemos para países como Portugal e Espanha, cujas participações no PIB são da ordem de 34,5% e 35,1% respectivamente. A diferença torna-se gritante quando comparamos a renda per capita destes países, seis vezes acima da brasileira. Portanto,  achar que a redução de impostos, por si só, é a solução para os problemas da economia brasileira é um tanto quanto ingênuo. 

Mas o que dizer da crise atual (2008/2009)? As reduções de IPI no setor automobilístico, linha branca, materiais de construção etc, não incrementaram as vendas e ajudaram o PIB? Sim, de fato. Isso mostra como a redução na carga tributária é importante. Mas se pensarmos bem, tal redução sem a queda na selic teria efeitos apenas no curto prazo, um paliativo que não perduraria muito. Como os desdobramentos das reduções nos juros só são sentidos no médio prazo, a alternativa de curto prazo foi favorecer alguns setores com redução nos impostos.

Ou seja, política fiscal e monetária juntas, e digo JUNTAS, tem um bom efeito na economia. Do mesmo modo, centrar o foco unicamente numa redução na carga tributária pode não ter o efeito desejado, já que o passado mostra que com economia levemente aquecida os empresários embolsam a isenção de impostos. Nesse sentido, o movimento atual de redução nos tributos não tem nada de Supply Siders, é muito mais de desespero com a crise atual, um paliativo de curto prazo; e com prazo pra acabar.

¬ Lição de economia nº28: Mr. Bush, Mr. Keynes e a taxa de juros

smokeringEm 23/11/2001, quando as torres gêmeas ruíram nos EUA,  redigi um artigo mostrando como elementos políticos ou religiosos podem afetar, de forma desastrosa, a economia. O título de então era: “Bin Laden, Keynes e a taxa de juros”. Recupero-o hoje mudando apenas o nome do seu coadjuvante principal, Bush. E acho que as diferenças básicas entre ambos, Bin Laden e Bush, resumem-se a apenas duas: a longa barba do primeiro e o QI, notoriamente inferior, do segundo.

Os efeitos que tio Bin tentou em 2001, em um plano mirabolante, maquiavélico, e genial, ao atingir o centro financeiro dos EUA, foram inferiores aos que seu seguidor menos prodígio conseguiu enquanto presidente dos EUA ao longo de dois mandatos, comprovado pelo caos de 2008. Mas o que acontece nas crises? Por que a política monetária não funciona?

Dizia lá em 2001, e repito ‘cá’ em 2009, que uma coisa na economia parece óbvia: quanto menor a taxa de juros mais barato o preço do dinheiro e com isso maior o investimento, uma vez que a expectativa de retorno do empreendimento dos empresários pode situar-se acima da taxa de juro que ele paga ao tomar dinheiro emprestado dos bancos. É esse ganho (diferencial) que estimula os investimentos. Daí a importância do governo controlar a variável chave da economia, a taxa de juros, no nosso caso a taxa selic determinada pelo Banco Central. No caso deles, a taxa determinada pelo banco central americano (FED).

O que dizer então da economia americana no meio da crise atual, e também na crise em 2001? Por que as baixas nas taxas de juros não têm incentivado um consumo maior dos empresários e da população de um modo geral? A queda das torres do World Trade Center em 2001, e as “cagadas” do Sr Bush com a conseqüente crise em 2008, deixam claro o que o notório economista John Maynard Keynes, do início do século passado, explicou sobre esse “fenômeno” aparentemente contraditório na economia. Mas para entender melhor suas idéias precisamos fazer um contraponto deste com uma outra corrente de pensamento econômico: os Economistas Clássicos (escritores do século dezenove).

Segundo estes Clássicos a taxa de juros é o preço que regula a poupança e o investimento. Imaginemos que as pessoas gastem um percentual maior de sua renda em um período qualquer. Isso faz com que diminua o nível de poupança disponível, o que encarece o crédito. Altas taxas de juros implicam em menores investimentos. Assim, a poupança cai em um momento inicial e acaba, automaticamente, puxando para baixo o investimento no período seguinte, voltando automaticamente ao equilíbrio, sem a necessidade de intervenção do governo.

De modo contrário, suponhamos que as pessoas voluntariamente gastem menos de sua renda, poupando mais. Essa economia adicional estará disponível nos bancos, implicando que o excesso de oferta de dinheiro por estes force a queda nas taxas de juros cobradas nos empréstimos. A partir daí eleva-se a quantidade demandada de dinheiro dos empresários em função das baixas taxas cobradas, redundando em um volume maior de consumo e investimento. Temos aqui novamente um regulador automático na economia: queda no consumo e aumento na poupança em um primeiro momento; disponibilidade maior de dinheiro nos bancos a taxas reduzidas e elevação no consumo e investimento no momento seguinte. Ou seja, a queda inicial no PIB é compensada depois pela sua elevação em função do barateamento do crédito. Por que então o excesso de poupança no Japão, EUA, Europa, por exemplo, não é convertido em investimentos permitindo a saída do país da recessão (queda consecutiva do PIB por 2 trimestres consecutivos)?

A resposta não é tão simples, mas com certeza não a encontraremos nos economistas Clássicos, do contrário o crescimento já teria ocorrido. Vejamos qual seria a explicação de Keynes.O ponto central para Keynes é que a moeda não tem apenas a finalidade de facilitar as trocas de mercadorias como na Corrente acima. Ela possui também um papel crucial, qual seja, a de ser reserva de valor. Seria, portanto um ativo que representa segurança nos momentos de incerteza. É justamente a partir deste aspecto da moeda que podemos explicar a contradição aparente na economia japonesa e americana. Se imaginarmos períodos de incerteza sobre a economia (épocas de crise política ou econômica) fica claro que o consumidor ou empresário terá preferência pela liquidez (moeda), pela segurança que ela lhe proporciona em momentos como esse - é o que em economia se chama de armadilha da liquidez. Por mais liquidez que o governo proporcione ele se encontra em uma armadilha, já que essa grande quantidade de dinheiro, em função da incerteza, não se reverte em consumo, no curto prazo.

Mas quais seus efeitos sobre a economia (consumidores e empresários)? a) Os consumidores nestes momentos preferem guardar dinheiro em casa a consumir, dada a incerteza sobre o futuro (e isso não é poupança, é precaução). Essa queda no consumo afeta, por conseguinte, a expectativa de retorno (receita) dos empresários, pois venderão menos. Uma pessoa só consumirá caso o prazer obtido por este seja maior do que o medo (expectativa) do momento, bem como, poupará somente se o retorno (prêmio) pago por uma instituição financeira supere seu medo de guardar o dinheiro. b) Os capitalistas vêem cair suas receitas devido a redução do consumo e acabam da mesma forma reduzindo seu próprio consumo, retendo também uma quantia maior de dinheiro.

Mas o consumo do empresário nada mais é do que o investimento, e se eles não investem a economia não cresce. Nesse sentido, a taxa de juros que ele espera obter para abrir mão de guardar dinheiro é exatamente a expectativa de retorno do seu investimento, ou seja, a eficiência marginal de seu capital (o que na administração financeira é chamada de Taxa Interna de Retorno). Assim, ele só abre mão do dinheiro se o que espera receber de retorno em seu investimento superar a taxa determinada pelo governo (digo do governo, pois esta serve, em tese, como referência às demais taxas do mercado, no nosso caso a taxa selic). Para os empresários é a taxa de rentabilidade de seu capital que, comparada com a do mercado, determina o volume de investimento a ser feito. Portanto, quedas no nível de consumo engendram mudanças nas expectativas que afetam todo o sistema, não implicando como diziam os Clássicos que esse dinheiro poupado na diminuição do consumo seja convertido em investimentos.

Resumindo: conforme os Clássicos, o aumento na poupança nos EUA deveria forçar para baixo as taxas de juros implicando em maior consumo e investimento e reversão do ciclo depressivo, o que não acontece, pelo menos não de imediato e como previsto. Para Keynes a incerteza acerca da economia (o medo do porvir) implica em maior demanda por moeda e menor consumo, tanto da população de um modo geral quanto dos capitalistas, ou seja, um problema de demanda (consumo) originado da incerteza sobre o futuro.

Apesar de o governo americano baixar as taxas de juros para aquecer o consumo, este não aumenta. Assim, a injeção de moeda pelo governo para diminuir o custo do crédito não faz crescer os investimentos, pois todo dinheiro despejado na economia é imediatamente retido. Se o rendimento esperado dos empresários em seus investimentos for menor ainda que essa taxa definida pelo mercado, eles não ocorrerão, e esse tem sido o problema: expectativas futuras extremamente pessimistas.

O aspecto psicológico é quem governa, portanto, o crescimento da economia nesse caso. Enquanto as expectativas não se reverterem, não terão muita eficácia as políticas monetárias adotadas pelo governo. Surge daí a necessidade deste intervir, não com política monetária, mas como o próprio investidor (produtor) capitalista, o que tem feito americanos e japoneses nas últimas décadas para tentar reverter a recessão. A influência sobre a economia americana e mundial da queda das torres nos EUA, bem como da recente crise financeira, talvez faça agora algum sentido.

¬ Lição de economia nº27: Teoria e prática

Muitas vezes nos perguntamos o que a teoria tem a ver com a prática. Ou, o que da no mesmo, que na prática a teoria é outra. A partir daí nos indagamos qual a necessidade de estudos teóricos acerca da economia se no mundo real as coisas não funcionam tão perfeitamente. Bom, na verdade não é bem assim. Toda a discussão perpassa dois séculos de história econômica. Vejamos o exemplo a seguir, que mostra a relação entre inflação e produtividade, para identificar onde teoria e prática se encontram.

Diz a teoria econômica básica que qualquer crescimento econômico (leia-se PIB) é consequência do crescimento na demanda agregada, o que resulta também em elevação na procura, consumo, de  fatores de produção - trabalhemos aqui somente com o fator mão de obra para simplificar a análise. Com essa elevação na demanda (ou procura), os preços destes fatores elevam-se, em função do aumento na concorrência pelos mesmos, o que causa, portanto, aumento nos custos de produção, e com isso inflação (subida geral de preços). Essa premissa básica da da teoria econômica contraria o que acontece ás vezes em muitas economias desenvolvidas: o aumento no seu crescimento sem elevação insistente nos índices de inflação. Mas por que se dá essa contradição? Voltemos um pouco ao passado para entendermos essa relação teoria x prática.

Um economista sueco dizia que na medida em que os juros sobre os empréstimos bancários (taxa de juros de mercado, ou nominal) estão abaixo do que os empresários esperam obter de lucro com seus investimentos (taxa natural de juros), haverá uma tendência de que, obviamente, estes invistam mais, já que o retorno esperado da sua produção será melhor do que uma aplicação bancária. Pensando de outra forma, se um empresário espera obter um retorno no seu investimento de 10% em dois anos, e se considerarmos que a taxa de juros dos empréstimos no sistema bancário é de 8%, fica claro que ele pegará emprestado dinheiro no banco a 8% por dois anos. Fará o investimento que acha que lhe renderá os 10%, ganhando assim os 2% dessa diferença no fim desse período.

A partir daí façamos outra suposição. Consideremos uma economia onde os recursos estão quase que completamente utilizados, simplificando, onde todos os trabalhadores estejam empregados. Ao mesmo tempo, suponhamos que a produtividade do trabalho, isto é, a capacidade de um trabalhador de produzir "X" mercadorias por hora de trabalho, não se altere. Nesse caso, o capitalista que decide investir mais (como explicado acima, em função de suas expectativas de retorno maiores), terá que disputar os fatores de produção, ou seja, os trabalhadores, com outras firmas, devido à escassez destes. Caso todos os empresários procurem mão-de-obra, mas toda ela se encontre empregada, isso implica que se tem que pagar um preço mais alto para que um empregado aceite largar seu emprego e mudar para outro. Esse fato acaba gerando um aumento no preço da força de trabalho, isto é, um aumento de salários, o que tende a elevar os custos dos empresários. Estes, por sua vez, repassam essa elevação nos custos para seus preços, afetando toda a economia, e assim sucessivamente. Resultado: processo inflacionário, que este economista chama de processo cumulativo de preços.

O nome deste economista sueco é Knut Wicksell, e suas obras datam do início do século XX. Ele trabalha com a suposição de pleno emprego e de produtividade constante em seu modelo, mas apenas como suposição. Pergunta-se: qual a importância desta análise nos dias atuais? Olhando bem para algumas economias em períodos de prosperidade, fora das épocas de crise mundial, como a americana antes de 2008, notamos que a mesma situava-se próxima do pleno emprego, ou da taxa natural de emprego, o que eles denominam de Nairu (em torno de 4% de desempregados). E daí? Se continuarmos a análise, o que há de semelhanças entre a teoria do sueco e a economia americana nesses momentos, a princípio? Bom, se como no caso do sueco, a taxa natural (ou a expectativa de retorno dos empresários) situa-se acima da taxa de juros de mercado (bancária) temos, logicamente, um aumento nos investimentos por parte dos empresários e uma maior competição por trabalhadores. Como já mostrado na teoria, isso tenderia a gerar, na prática, um processo inflacionário na economia, certo?

Errado, já que os índices de inflação as vezes continuam baixos quando comparados ao ritmo de crescimento (aquecimento) da economia. Então, onde se encontra o erro? No simples fato de que quando Wicksell trabalhou sua teoria, considerou como constante (a famosa ideia do coeteris paribus, muito usada na economia) uma variável fundamental, qual seja, a produtividade. Nesse sentido, o processo cumulativo de preços (inflação) de Wicksell seria ilimitado, pois esta variável permanece inalterada enquanto os capitalistas demandam cada vez mais trabalho (escasso) à medida que a economia cresce. Isso aumenta indefinidamente o nível de preços, via aumentos na renda dos trabalhadores, custos dos capitalistas e repasse aos preços.

Chegamos então ao ponto central. Se na teoria há uma tendência de elevação nos preços quando a economia está aquecida, por que o caso americano em determinados períodos foge à regra. Simples, a produtividade do trabalho nos EUA na década de 90, por exemplo,subiu a taxas crescentes. Assim, quando o PIB cresce e aumenta o volume de investimentos, não há necessidade da contratação de mais trabalhadores e com isso de se pagar salários mais altos. Por quê? Por que como resultado do aumento na produtividade da mão-de-obra (treinamento, novas formas de organização, etc), os empregados produzem mais no mesmo período de tempo. Temos um aumento na produção, ou um PIB crescente, sem necessidade de elevação nas remunerações dos trabalhadores, portanto, uma economia sem inflação. Não vamos discutir aqui os ganhos dos trabalhadores com o aumento de sua produtividade, o que é uma verdade, mas sim que o aumento desta é suficiente para conter qualquer elevação de preços. Chegamos a uma constatação: os salários não sobem, não havendo nenhum aumento no nível geral de preços, isto é, inflação. A teoria do sueco então falhou?

Não, essa ilustração mostra que aquela contradição citada entre teoria x prática, ou que um aumento no crescimento de uma nação tende a elevar a inflação junto com o crescimento do PIB, é apenas aparente. Os dois elementos importantes aqui são o pleno emprego e a produtividade. Havendo trabalhadores desempregados não haveria sentido um aumento nas suas rendas, já que estes passam a aceitar um emprego com salários mais baixos, o que teria um efeito inverso do descrito acima. Mas, ainda que tenhamos uma economia com todos os fatores empregados, os efeitos de inflação seriam sentidos não em todos os países, mas somente naqueles que tem baixa produtividade.

Desse modo, não há contradição, o que existe é apenas uma diferença entre a relação produção x produtividade x inflação em cada país. Alguns, com baixa produtividade (ou a mesma constante),  tendem, por conseguinte, a crescer com elevação nas taxas de inflação. Outros, com alta produtividade, sentem menos esse efeito. Essa constatação pode ser vista freqüentemente em uma série de economias, desenvolvidas ou não, mostrando que, nesse caso, a teoria de Wicksell não estava errada.

E observem que esse raciocínio serve pra outra constatação elementar, já implícita. A  de que em momentos de crescimento econômico o aumento no número de vagas nas empresas não possui uma correlação perfeita, isto porque novas tecnologias são incorporadas, tendendo a dispensar, e não utilizar, mais trabalhadores. Portanto, dizer que o aumento no consumo implica elevação no PIB e no emprego não é necessária mente uma constatação empírica. Quanto ao crescimento, sim, quanto ao emprego vai depender da produtividade de cada país.

¬ Lição de economia nº26: O Risco País

O Risco-País mostra o risco de um investidor estrangeiro emprestar dinheiro para um tomador de outro país, seja ele empresa ou governo. Em linhas gerais servem de orientação aos investidores mundo afora que buscam aplicar seus recursos mas não conhecem os riscos específicos de cada economia.

Algumas agências internacionais (geralmente grandes bancos) são responsáveis por medir o que se chama de Risco-País. Elas mensuram dois tipos de risco: o risco em pontos e o nível de risco por ratings. São formas diferentes de medir a mesma coisa, o risco de investimento. Vejamos ambos.

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As agências classificadoras de risco e os ratings

Existem, hoje, nos EUA quatro grandes agências desempenhando esse papel: Standart & Poors (S&P), Moody´s Investors Service (Moody’s), Fitch Investors Service (Fitch) e Duff and Phelps’ Credit Rating Company (Duff and Phelps’). A S&P e Moody´s têm a maior fatia do mercado, cerca de 40% cada. Já a Fitch 15% e as demais os outros 5%. Como regra, esse é um serviço de análise prestado por estas agências, portanto pago pelos respectivos Países - no Brasil há uma certa regulação da atuação delas pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Isto é, funciona como uma espécie de avaliação externa.

O critério que determina qual a nota a ser dada vem a partir de um estudo das variáveis econômicas feitas por um economista, que avalia variáveis como: dívida interna, dívida externa, reservas cambiais, superávit primário, crescimento econômico, aspectos políticos etc. Feito isso o analista de cada uma das agências divulga a nota, seguindo os códigos da tabela a seguir. 
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Até BBB- são países que obtiveram o 'grau de investimento', ou seja, países com baixo risco de calote. Daí pra baixo são países com maior risco de calote, portanto, sem o 'grau de investimento'.

- a S&P utiliza qualificadores + e – para criar três subclasses entre os graus de classificação AA e CCC. Por exemplo: A+, A A-.

- A Moody’s utiliza 1,2 e 3 para criar três subclasses entre Aa e B. Por exemplo: Ba1, Ba2, Ba3.

- A Fitch utiliza + e –  para três subclasses entre AA e C.

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O Risco mensurado por essas instituições foi elaborado inicialmente para avaliar títulos de dívidas de empresas nos EUA, influenciando diretamente sua cotação em bolsa de valores ou a emissão, e precificação, de títulos de dívida (notas promissórias, debêntures etc).

Hoje, essas empresas classificadoras de risco são importantes por classificar também o risco soberano (Risco-País) de várias nações em desenvolvimento, com critérios parecidos. Na verdade, o Risco-País, mostra o risco de adquirir títulos de dívida (bonds) dos países, mas serve como referência para investidores que querem trazer seus dólares para o país, ou mesmo aqueles investidores nacionais que aplicam em bolsa e tomam uma piora na classificação de risco como um sinal para a venda de seus ativos.

Inevitavelmente, os critérios subjetivos de classificação permeiam a análise. Depois da terrível experiência com a Ásia, como afirmou certa vez Gustavo H. B. Franco (OESP e JB, 27/08/2000), a Moody´s alterou seus critérios de avaliação para os países emergentes em função de “uma simples e delicada verdade: os custos de não prever uma crise são infinitamente superiores para a imagem da agência que os custos de profetizar uma crise que não acontece. Ou seja, é sempre melhor para a agência adotar uma postura excessivamente defensiva, quase terrorista, pois, assim, minimiza o risco de errar por falta de conservadorismo”.

Essa medição não é alterada em curtos intervalos de tempo, dada a grande quantidade de dados envolvidos na análise, bem como a necessidade de confirmação de uma tendência de melhora na situação econômica de um país, o que só ocorre no longo prazo. Há, contudo, um outro tipo de risco, calculado diariamente, para que o mercado internacional tenha uma referência no curto prazo, sendo medido em pontos, como vemos no tópico seguinte.

Atualmente o Brasil tem a classificação de 'grau de investimento', BBB-, pela nomenclatura da S&P. Já os EUA, pela primeira vez na história, perderam um grau da classificação, saindo de AAA para AA+ em agosto de 2011.

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O J.P. Morgan e o Risco-País em pontos

O risco em pontos medido pelo J P Morgan não parte de análises das economias feitas por analistas. A metodologia parte da identificação do comportamento dos grandes especuladores internacionais com relação aos países. Nesse sentido, a melhor forma de captar o humor deles com relação a um país é monitorar o que eles fazem com os cheques pré datados (títulos da dívida externa) que tem em mãos (bonds). Se há uma grande venda desses cheques, repasse, o preço tende a cair, o que implica uma percepção de risco maior. De modo contrário, se há uma busca crescente pelos cheques que já foram emitidos seus preços tendem a subir, o que denota um bom humor destes investidores.

Então, o J P Morgan apenas pega as valorizações e desvalorizações destes títulos e joga num modelo matemático, cujo resultado é dado em pontos. Assim, quanto maiores as vendas de títulos (bonds) menor o seu preço e maior o risco em pontos. Quanto maiores as compras no mercado internacional menor o risco em pontos. Como essas compras e vendas acontecem minuto a minuto dependendo do humor dos especuladores, esse título é uma boa referência para os investidores que querem entrar no Brasil no curto prazo. Já o risco por ratings, como depende de análise subjetiva pode levar anos para ser alterado, servindo de referência apenas para o longo prazo. Esse risco em pontos também é chamado de Embi+  (Emerging Markets Bond Index) - no caso do Brasil Embi+ Br - e surgiu no início dos anos 90, quando boa parte dos principais países em desenvolvimento renegociou sua dívida externa. De lá pra cá passa, então, a refletir o comportamento dos títulos da dívida externa brasileira.

A metodologia também estipulou que cada 100 pontos de risco equivalem a 1% de juros pago nos empréstimos feitos em dólar no exterior. Além disso, o juro americano é considerado como base para a operação, ou seja, soma-se o juro americano com o juro referente aos pontos de risco.

Assim, se um país tiver 500 pontos de risco teríamos 5% + 1% (juro americano atual) = 6% ao ano para quem for tomar empréstimos no exterior.

Quem quiser se aprofundar no assunto leia a lição matemática nº10. Nela ensino a calcular o rendimento (yield) de um título da dívida a partir das alterações no seu valor de face e do retorno do cupom.

¬ Lição de economia n°25: Dívida Interna

Os diferentes conceitos de dívida pública utilizados no Brasil

 A dívida líquida do setor público consolidado (DLSP) é o conceito mais AMPLO de dívida, pois inclui os governos federal, estaduais e municipais, o Banco Central, a Previdência Social e as empresas estatais, bem como suas dívidas em moeda estrangeira (dívida externa). Derivado disso temos a dívida pública interna líquida que é igual a DLSP menos a dívida externa, convertida em reais. 

Enxugando mais o conceito temos a  dívida pública mobiliária federal interna (DPMFi) que é  a dívida do governo federal (emitida pelo Tesouro Nacional e Banco Central) em títulos públicos - não inclui, portanto, os déficits das estatais nem os títulos emitidos pelos estados e municípios. É interna exatamente por excluir também do seu cálculo a dívida externa. É um conceito muito utilizado por tratar apenas dos títulos emitidos pelo governo federal. É muito comum denominar a DPMFi simplesmente de dívida pública federal interna.

Se a somarmos essa DPMFi com a dívida externa temos toda a dívida em títulos do governo federal, aqui dentro e lá fora, denominada no jargão do mercado de dívida pública federal, como vemos no artigo publicado na Folha Online: "Dívida pública federal cresce 7,16% e fica em R$1,5 tri em 2009". Assim, essa dívida de R$1,5 tri é a dívida pública (federal) interna (R$1,4 trilhão) mais a dívida externa (R$98 bilhões).

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Resumo:


Dívida líquida do setor público consolidado (DLSP) = conceito mais amplo e inclui a dívida do governo federal, estados, municípios, estatais etc. + suas dívidas externas
Dívida pública interna líquida = DLSP - dívida externa
Dívida Pública Mobiliária Federal Interna (DPMFi) ou dívida pública federal interna = conceito menos abrangente por tratar apenas da dívida do governo federal em títulos lançados aqui dentro
Dívida pública federal (DPF) = DPMFi + dívida externa


A figura abaixo mostra como os dados são divulgador pelo Tesouro.
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       Fonte: STN (Secretaria do Tesouro Nacional)

Centremos o foco apenas na parte da dívida composta por títulos emitidos pelo governo federal (DPMFi), não por mera coincidência, a maior parte. Mas, até onde um governo pode se endividar? Em tese não há limites para isso - e notem que a recente crise da dívida na Europa, que se arrasta desde 2008 pegou países com volumes de dívidas diferentes. O problema, na verdade, era a capacidade de gerar caixa e pagar a dívida, mesmo que pequena, ou seja, o superávit primário. No entanto há um indicador importante:

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 relação dívida/PIB  =  dívida interna/PIB

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Não há parâmetro para determinar a solvência por esse indicador, pois alguns países possuem uma dívida interna que corresponde 150% do PIB e não podem ser considerados insolventes, como o Japão, por exemplo. Países em desenvolvimento geralmente têm uma dívida/PIB inferior a isso, todavia, o seu perfil é um complicador. Assim, o relevante é observar a evolução desse percentual, e por ele concluímos que o mais importante não é a elevação na dívida, o numerador, mas o crescimento no PIB. Assim, por mais que a dívida cresça, se o PIB subir de forma mais rápida temos uma redução no percentual, na relação dívida/PIB. Para que a dívida não cresça tão rápido é importante que saibamos quais os tipos de papéis (títulos públicos) que a compõem a dívida, bem como das de juros embutidas nesses títulos.

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Papéis que compõem a dívida interna (mobiliária) no Brasil (DPMFi)

Os papéis (títulos) lançados (vendidos aos grandes bancos) compõem a maior parte da nossa dívida pública interna, como vimos. Contudo, a atratividade desses papéis para os bancos depende de 2 características básicas:

•   o prazo do vencimento - dependendo da conjuntura interna e externa só papéis de curto prazo serão aceitos pelo mercado;

•   a remuneração paga, que define o tipo de papel emitido pelo governo - neste caso verificamos que os títulos possuem indexadores diferentes, que  remuneram seus investidores de várias formas. Ou seja, os títulos emitidos não pagam apenas a taxa selic, como supusemos até agora. Contudo, as diversas remunerações possíveis, como veremos a seguir, implicam que nenhum banco aceitaria um papel que pagasse uma taxa de juros de, por exemplo, 10% a.a se a inflação anual fosse de 15%. O investidor teria perdido 5% dos seus recursos.

Vejamos o perfil de alguns papéis mais negociados nos leilões de títulos públicos da política monetária.

   Papéis pré-fixados: garantem ao investidor  um percentual fixo de juros. Ou seja, o comprador já sabe quanto receberá no vencimento do título. Nesse sentido, ele atende à demanda daqueles que acreditam que a situação irá melhorar, isto é, que a taxa selic irá diminuir no médio ou longo prazo. São, portanto, emitidos quando as expectativas são boas com relação ao futuro.  Os papéis pré-fixados mais conhecidos são as LTN (Letras do Tesouro Nacional) e pagam a taxa selic.

   Papéis pós-fixados: garantem ao comprador um rendimento que só será efetivo no resgate. Ou seja, o comprador não sabe quanto receberá no vencimento do título. Caso ele compre um papel com juros contratados de 2%, por exemplo, e no vencimento este esteja em 3%, o comprador ganhou 1% a mais. Caso ele tenha caído para 1% perdeu 1%. Nesse sentido, ele atende à demanda  daqueles que acreditam que a situação irá piorar, isto é, que a taxa selic, que remunera estes papéis, irá subir. São, portanto, lançados quando as expectativas são ruins com relação ao futuro. Os papéis pós-fixados mais conhecidos são as LFT (Letras Financeiras do Tesouro) e pagam a taxa selic.

   Papéis atrelados à inflação: são papéis pós-fixados, utilizados quando os agentes querem se proteger de uma inflação crescente. Seria a forma mais atrativa de o governo captar dinheiro nesses períodos, pois um papel pagando somente os juros pode  não agradar, impedindo que o governo execute a política monetária. Os papéis pós-fixados mais conhecidos são as NTN-B (Notas do Tesouro Nacional, série B, indexadas ao IPC-A).

   Papéis cambiais: pagam a variação do dólar até o vencimento, sendo, portanto, também pós-fixados. Os títulos públicos cambiais remuneram uma taxa de juros fixa, um percentual da taxa selic, denominada cupom cambial, mais uma outra parte variável, que é a variação do dólar (cotação Ptax). Logo, o investidor compra o papel sabendo que o que ganhará (ou perderá) depende da cotação do dólar na data do resgate. 

Os papéis pós-fixados atrelados à variação cambial mais conhecidos são as NTN-D (Notas do Tesouro Nacional, série D) e NBC-E (Notas do Banco Central, série E). As NTN-D são de responsabilidade do tesouro nacional, sendo emitidos para cobrir o déficit orçamentário. Já as NBC-E são emitidas pelo BC com a finalidade de política monetária. Esses papéis cambiais ficaram famosos ao longo do Plano Real, pois, como vimos, na ausência de reservas cambiais, com a consequente desvalorização cambial, o governo vendeu algo que não era dólar mas que valia dólar, os títulos cambiais. Tratamos disso na lição nº18  no tópico 'vendendo a alma ao capeta'.

Como o assunto é relevante e trouxe consequências desastrosas no fim do governo FHC, aprofundemo-lo um pouco mais. Por que o governo de países com câmbio instável se arriscaria a pagar a desvalorização cambial para os compradores dos seus papéis? Qual o interesse de um banco comprar títulos indexados ao dólar se suas despesas são todas em reais? Em suma, por que parte da dívida interna está atrelada ao dólar? Vejamos.

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A função dos títulos cambiais

O lançamento dos papéis cambiais objetiva acalmar o mercado de câmbio, ou a cotação do dólar, evitando, portanto, sua volatilidade, como já vimos na lição 18. Ao emiti-los, atua tanto sobre a curva de oferta (vendedores de dólar) quanto sobre a curva de demanda (compradores de dólar). Vejamos esses dois lados:

• Ofertantes (vendedores) de dólar – a finalidade do governo aqui é basicamente atrair investidores estrangeiros para o país, ou seja, aqueles que trazem dólares, vendem aos banco e utilizam os reais para emprestar ao governo (comprar títulos). Mas por que os papéis pré ou pós-fixados não atrairiam? Pelo simples fato de que o ganho com os juros dos títulos do governo poderia ser perdido quando estes investidores quisessem comprar dólares para sair do país. Assim, o câmbio pode corroer os ganhos com os títulos, o que tende a inibir a entrada de novos investidores.

Em função disso, o governo lança um título cambial, que paga ao investidor, além de um percentual fixo de juros, toda a variação do dólar. Isso é, toda a perda possível que o investidor teria ao converter novamente os reais ganhos para o dólar seria paga pelo governo. Essa medida tende a elevar os fluxos de investidores estrangeiros para o país, aumentando a oferta da moeda americana no mercado e diminuindo, ou aliviando, a pressão sobre a paridade cambial. É, todavia, uma medida paliativa, de curto prazo, pois estes capitais tendem a se retirar a qualquer momento.

• Compradores de dólar – atuando do outro lado, os mesmos papéis acalmam os compradores. O governo pode jogar (vender) dólares das reservas cambiais no mercado de câmbio o que tende a aliviar a pressão de compra da moeda americana. Contudo, em alguns momentos, em face da pouca quantidade disponível na reservas, o governo opta por lançar papéis que valem dólar. Assim, ele os vende aos compradores que estão pressionando a cotação, minimizando a desvalorização cambial e acalmando o mercado.

Em suma, não é à toa que a dívida do governo junto ao mercado é chamada de dívida mobiliária do governo federal. Ela é móvel, no sentido de que sua composição é alterada (papéis pós, pré-fixados, cambiais etc) em função das necessidades de financiamento do governo e da conjuntura interna e externa.

O lado mais nefasto da dívida é o fato de o governo não poder pagá-la. Por incrível que pareça a dívida não pode ser quitada, pois seria lançado tanto dinheiro no sistema bancário que a inflação subiria em níveis incontroláveis, em função da expansão monetária e do multiplicador bancário. Mas como é mensurada essa dívida?

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 O cálculo da dívida interna

Como ela vence em prazos distintos e com base em diversos indexadores (juros, dólar, inflação etc.), significa dizer que se quisermos saber seu valor total, hoje, temos que considerar a taxa de juros e câmbio atuais. Isso serve apenas para termos uma noção do total da dívida, mesmo porque no dia/mês seguinte seu montante será diferente dependendo dessas duas variáveis. Podemos assim afirmar que uma queda nos juros e na cotação do dólar reduziria o total desta dívida, o seu saldo devedor - excluindo, obviamente, a parte que está pré-fixada na selic.

Suponhamos que a dívida mobiliária interna esteja em $100,00 com vencimento em 1 ano, e que seja na maior parte pós-fixada, por exemplo. Se a taxa de juros (selic) se eleva de 10% para 15% hoje, a dívida seria de $115,00. Contudo, se no fim do ano ela estiver em 5%, a dívida teria um saldo devedor total de $105,00, pois será paga pela taxa de juros no vencimento.

Indo além, e considerando aquele valor de 1,4 trilhão de reais da dívida interna em títulos do governo federal podemos nos perguntar: O que o governo fez com tanto dinheiro que tomou emprestado? Está guardado no cofre? Foi gasto? Na verdade esse dinheiro não existe, nunca existiu. O que ocorreu é que ele pegou muito pouco, mas ao pagar juros muito elevados, ao longo do Plano Real principalmente, esse pouco acabou crescendo de forma relativamente descontrolada. É como pegar R$100 no cartão de crédito e não pagar a fatura, imaginem o valor disso no fim de 10 anos. E se perguntarem, no final desse período, por que peguei 50 mil emprestados terei que explicar que na verdade foram apenas R$100.

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 Os títulos públicos e o tesouro direto

As pessoas físicas não precisam, necessariamente, entrar em fundos DI ou Renda fixa para emprestar dinheiro ao governo. Desde 2002 isso pode ser feito diretamente a partir do site do Tesouro Direto, desde que eu saiba efetivamente que tipo de título comprar. Veja a noticia divulgada pelo tesouro direto em setembro de 2010: "No mês, destaca-se a elevada demanda por títulos indexados ao IPCA (NTN-B e NTN-B Principal), que são corrigidos pela inflação. A participação nas vendas atingiu 47,34%. Os títulos prefixados (LTN e NTN-F), que possuem rentabilidade definida no momento da compra, ficaram em segundo lugar entre os mais vendidos, com participação de 41,74% do total das vendas. Os títulos indexados à taxa Selic (LFT) apresentaram participação de 10,92% nas vendas no mês. As vendas de títulos com prazo entre 1 e 5 anos representaram 74,56% do total e os títulos com prazo acima de 5 anos corresponderam a 19,69% do total, reafirmando o papel do Tesouro Direto como opção de poupança de médio e longo prazo".


obs: para entender melhor o funcionamento de títulos pré e pós fixados veja o post sobre aplicação em títulos públicos via tesouro direto.

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Resumo e características atuais da DPMFi (jan  2016):

- toda em reais, podendo estar atrelada ao dólar. Porém, paga em reais.

- toda do governo federal (DPMFi)
- juro da dívida: em uma parte o governo paga a taxa selic (títulos pré fixados ou pós fixados); em outra, a inflação; uma menor parte hoje, felizmente, a variação do dólar (títulos ou papéis cambiais). Perfil atual da dívida, ou seja, dos títulos vendidos pelo governo:

                                                 Fonte: STN (Secretaria do Tesouro Nacional
 

* No final do Plano Real (2002) a dívida atrelada ao dólar chegou a representar 30% do total.



- garantia: títulos públicos de vários tipos, como vimos no tópico anterior

- vencimento: hoje em torno de 4 anos, mas já chegou a ser rolada, renegociada, a cada 40 dias, aproximadamente, durante o Plano Real.


- valor atual da dívida mobiliária (DPMFi): 2,607 trilhões

- dívida pública federal (DPF) = 2,607 tri (interna) + 142 bi (externa) = 2.750 trilhões.

- evolução: partiu de, aproximadamente, 60 ou 70 bilhões de reais em 1994.

- relação dívida/PIB: hoje em aproximadamente 35%, tendo chegado a 50% no Plano Real.

- participação dos estrangeiros (não residentes): aproximadamente 19% da dívida























                           
Fonte: STN (Secretaria do Tesouro Nacional

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¬ Lição de economia n°24: Dívida Externa

A hegemonia americana e a dívida externa dos países em desenvolvimento

Muitos perguntam por que a economia americana é tão forte hoje. Para responder a esta indagação precisaremos retornar uns 60 anos na história do capitalismo recente. Após a grande depressão da década de 1930, o capitalismo não encontrava uma solução para sair da crise. Para piorar a situação, em 1939 surge a II Guerra Mundial – até esse período a Inglaterra ainda era referência para o capitalismo, com a libra esterlina.

A partir dessa data, a história começa a pender para o lado americano. Finda a II Guerra, a Europa encontra-se praticamente toda destruída, isto é, seu parque industrial arrasado, e com isso, a incapacidade de suprir as necessidades básicas da população em termos de bens de consumo. O mesmo não acontecia com a economia americana. Pelo fato de não ter sido palco da guerra, tornou-se o único país desenvolvido a ter condições de suprir a demanda crescente por bens de consumo, máquinas e até alimentos da Europa e Ásia. Além desse impulso dado à sua indústria, os EUA ainda contavam com o próprio consumo interno reprimido. Ou seja, no período de guerra, os americanos não tinham disponibilidade de bens de consumo, pois tudo que se produzia estava voltado para a produção bélica. Assim, além do consumo que se potencializava nesse período ainda havia um crescimento considerável na poupança absoluta dos americanos, basicamente em função das horas extras trabalhadas e impossibilitadas de serem gastas. Têm-se assim dois estímulos muito fortes ao crescimento econômico americano a partir de 1945: a demanda externa da Europa e a demanda interna contida.

Com essa ajuda histórica, os americanos conquistam o mundo tanto economicamente, quanto militarmente. Faltava apenas o último aspecto do tripé para que a hegemonia fosse total, a monetária. Em 1945, os países vencedores reuniram-se nos EUA para acordar como ficaria organizado o mundo no pós-guerra. Obviamente, o único país com condições de fomentar o crescimento global e reerguer a economia mundial seria os EUA. Precisavam apenas do aval dos demais para retirar a moeda inglesa (libra esterlina) definitivamente do papel que ocupava até então. Neste acordo, denominado Acordo de Bretton Woods, em que foram criados também o FMI, o Banco Mundial e a, hoje, OMC (Organização Mundial do Comércio), os americanos teriam o aval para emitir dólares e inundar o mundo com sua moeda, dando maior liquidez ao sistema e permitindo a intensificação das trocas e recuperação das economias. O dólar passa a ser, formalmente, a moeda-chave do comércio internacional, a referência para as trocas entre os países.

Houve nas décadas seguintes, o que de fato era uma necessidade, uma grande expansão na quantidade de dólares na Europa, por dois motivos básicos: os EUA passam a ser os maiores consumidores mundiais, comprando bens do resto do mundo e tendo a liberdade de emitir moeda para isso, apesar dos vultosos déficits na balança comercial; o capitalismo americano se expande para o resto do globo, uma grande internacionalização das empresas americanas, estimulando também a elevação de dólares no mercado internacional.

Durante esse período ainda vigorava o padrão ouro-dólar. Isto é, os americanos só poderiam emitir moeda na proporção de ouro que tivessem guardado em caixa. Mas, previsivelmente, em função de sua necessidade de crescimento constante, impulsionada pela grande quantidade de importações, isso não seria possível, mesmo por que não seriam capazes de produzir ouro na mesma proporção do crescimento de sua economia. Esse descolamento do lastro em ouro da quantidade de dólares circulando no mundo teve sérios problemas mais tarde.

A inundação de dólares na Europa deu origem ao que se chamou de Euromercado, um grande mercado (bancos europeus) com sobras da moeda americana sendo disponibilizadas a baixas taxas de juros – lembrem que quando o M (dinheiro) se eleva, em dólares ou reais, os juros tendem a se reduzir na ponta para os clientes. Muitos países em desenvolvimento tiveram um forte crescimento nessa época, em função dos dólares tomados a baixas taxas de juros.

O problema se agravava com o crescimento do Euromercado, pois se a oferta de um bem (dólar) sobe mais que a demanda há uma tendência de seus preços recuarem. Foi exatamente isso que aconteceu ao longo da década de 1970. O dólar começa a perder força e se desvalorizar frente a outras moedas. Mais grave que isso foi o grande saque que se seguiu aos cofres do banco central americano para trocar a moeda, que perdia valor, por ouro. Sabendo que o lastro não existia, ou seja, não havia ouro suficiente guardado, e vendo o risco de exaurir suas reservas em ouro, os EUA do governo Nixon optaram, em 1971, por cancelar, unilateralmente, o padrão ouro-dólar. Ou seja, aqueles que quisessem efetuar a conversão de seus dólares não mais poderiam. O mundo possuía agora uma moeda que não valia mais ouro, era apenas um pedaço de papel verde timbrado, mas que possuía um poder extraordinário, não mais pela garantia de um metal, mas pela força econômica e militar de sua economia.

Contudo, e em função dessa decisão, a desvalorização continuava, colocando em risco sua hegemonia monetária. O crescimento do Euromercado ganhou novo impulso em 1973 e 1979, com os dois choques do petróleo. Com a elevação da cotação internacional do barril, os países árabes receberam uma grande soma de dólares que não tinham onde ser guardados. Eles foram levados à Europa e despejá-los nos grandes bancos, inflando-o ainda mais.

A solução encontrada pelos americanos para valorizar a sua moeda e recuperar a hegemonia resumiu-se em nada mais que um instrumento de política monetária. Elevaram a taxa de juro básica (prime), puxando junto a taxa inglesa (Libor), o que tornaria seus papéis (títulos públicos) mais atrativos. Seguiu-se uma grande entrada de dólares nos EUA para a compra dos papéis, o que reduziu a liquidez do Euromercado. Como a oferta de dólares diminui na Europa, a moeda americana começa a valorizar-se novamente. É exatamente aqui que nós (países em desenvolvimento) entramos na (e para a) história.

Origens da dívida externa brasileira

Como vimos acima, a dívida brasileira teve origem na década de 1970 com os empréstimos contratados no Euromercado. Nele, os dólares eram abundantes e financiados a taxas de juros baixíssimas, o que fomentou um período denominado “milagre brasileiro”, com taxa média de crescimento de 10% ao ano entre 1969 e 1973, e média de 7% nos anos seguintes. Todavia, nos contratos de concessão dos empréstimos os juros eram flutuantes. Isto é, apesar de baixos no período, qualquer elevação nos anos anteriores aumentaria a dívida. Como as chances da taxa de juros americana subir drasticamente é, e era, de fato muito pequena, o então ministro Delfim Neto não se preocupou e estimulou o crescimento. Todavia, a história seria diferente no fim da década de 1970, contrariando quaisquer expectativas.

A partir de 1979, com o aumento dos juros americanos para recuperar a hegemonia de sua economia (atraindo dólares do resto do mundo via aumento na remuneração de seus títulos, e valorizando sua moeda que estava depreciada no mercado internacional), essas taxas – Libor e Prime, até então estáveis, sobem vertiginosamente, encarecendo aquelas dívidas contraídas no início da década e comprometendo o Balanço de Pagamentos dos países menos desenvolvidos, via maior remessa de juros (conta serviços) e amortizações (conta de capital) da dívida externa. A década de 1980 já se sinalizava problemática. A dívida era de apenas US$4,3 bilhões em 1969, chegando em 1990 a US$124 bilhões.

Aliado a isso, outros fatores são relevantes. No mercado internacional, os dois choques do petróleo no mercado mundial em 1973 e 1979 elevaram os déficits comerciais de todos os países, representando maior saída de dólares e rombos crescentes no balanço de pagamentos. No caso brasileiro, um fator interno deve ser relevado: a má gestão do governo nos períodos entre os dois choques. Alguns países controlaram o consumo de combustíveis para reduzir o vazamento de dólares. No caso brasileiro, isso não foi feito, pois havia o temor que a indústria automobilística fosse prejudicada, afetando toda a cadeia produtiva. As medidas de aumento na produção de petróleo, criação do pró-álcool e elevação nos preços dos combustíveis acabaram sendo tomadas tardiamente, o que redundou, nesse intervalo, em mais endividamento externo para cobrir os déficits nas contas externas.

Como resultado da política americana e dos choques do petróleo, os encargos da dívida externa tornaram-se tão grandes para os países em desenvolvimento que o México quebrou já em 1982 (período denominado de “setembro negro”), arrastando os demais 'colegas' do 3º mundo. Em função disso, a década de 1980, ao contrário da década anterior, torna-se uma década perdida, dadas as complicações no Balanço de Pagamentos e a dificuldade de arrumar dólares para seu financiamento .


Resumo e características atuais:

 - dívida do governo federal (além de governos estaduais e municipais num volume menor), em sua menor parte, e das empresas (privadas ou públicas). A bem da verdade, é divulgado na mídia o seu valor total, somando-se setor público e privado. Entretanto, veremos abaixo que a participação do Estado neste total é a menor parte.

- toda em moeda estrangeira, geralmente dólar, mas podendo ser em iene, euro etc.

- garantia: títulos internacionais chamados de bond’s ou bônus. Em se tratando dos bônus emitidos pelo governo federal alguns ficaram famosos como o C-Bond e o Gobal 40.

- juro: geralmente baixo por ser juro internacional. Todavia é calculado com base no risco país, como veremos em outra lição.

- vencimento: geralmente com prazos bem mais alongados quando comparamos com os da dívida interna. Temos bonds a vencer em 2020, 2030, 2040 etc. Um título do governo americano, só como ilustração, pode ser negociado com prazo de até 100 anos para o vencimento.

- total aproximado hoje (2014): US$350 bilhões, sendo 30%, aproximadamente, do governo (US$105 bilhões) e o restante de empresas no Brasil (US$255 bilhões)

- reservas cambiais aproximadas: US$360 bilhões (2014). Boa parte delas não em dólar guardado, mas em títulos do governo americano, que tem liquidez imediata. Ou seja, temos US$360 'em caixa' e US$105 de dívida externa. Por isso dizem que ela está praticamente quitada. Na verdade, 'quitada'.

¬ Lição de economia n°23: Política cambial (Parte 8 – o mercado de câmbio e o Balanço de Pagamentos)


O governo mantém um controle de todas as entradas e saídas de dólares no mercado de câmbio. A partir disso tem como forçar sobras ou faltas de dólares nesse mercado, valorizando ou desvalorizando o câmbio.

À combinação dessas entradas e saídas surgem alguns nomes. Por exemplo, da diferença entre importações e exportações temos a balança comercial, cujo saldo pode resultar em um superávit comercial (exportações > importações) ou déficit comercial (importações > exportações) - não confundir isso com superávit primário ou déficit primário, pois aqui estamos falando da diferença entre arrecadação de impostos e gastos públicos.

A partir daí então o governo faz um balanço de todas as entradas e saídas, chamado Balanço (ou balança) de Pagamentos, que fica, simplificadamente, assim distribuído.


1. Balança Comercial

Exportações

Importações

2. Serviços

- Viagens (turismo)

- Pagamento/recebimento de juros da dívida externa

- Fretes e seguros pagos/recebidos

- Remessa de lucros e dividendos das multinacionais para suas matrizes ou recebimento dos lucros das empresas brasileiras que estejam no exterior

- Pagamento/recebimento de Royalties (tecnologia utilizada de outro país)

3. Transferências unilaterais

- recebimento/envio de donativos, reparações de guerra

- remessa de brasileiros residentes no exterior ou estrangeiros para seus países

- gastos com embaixadas brasileiras no exterior ou com estrangeiras no Brasil

4. Transações correntes (1 + 2 + 3)
  • é apenas uma parcial somando as 3 primeiras contas

5. Conta de capital

- Investimentos diretos (ou capital de risco) no Brasil, ou de empresas brasileiras no exterior

- Capital de curto prazo (ou capital especulativo) que entra ou sai do país

- Empréstimos e financiamentos no exterior ou concedidos ao exterior

- Amortizações da dívida externa

6. Saldo do balanço de pagamentos
  • se positivo = valorização cambial (entradas de dólares maiores que saídas)

  • se negativo = desvalorização cambial (saídas maiores que as entradas)


Observações:

* Um país pobre - que hoje chamam de em desenvolvimento, emergente, bric etc, ainda assim pobre – tende a ter a conta serviços negativa por pagarem muitos juros da dívida externa, royalties, fretes e seguros pelos fretamentos de navios estrangeiros além de muita remessa de lucro das multinacionais estrangeiras. Se essa saída de dólares é maior que a entrada na conta serviço dos países pobres, tende a ser positiva nos países mais ricos, que são os maiores credores das dívidas e onde se situam as grandes multinacionais.

* A conta transferência unilaterais geralmente não tem muito peso na maioria dos países ricos ou emergentes, ao contrário da balança comercial, portanto não são uma fonte básica de valorizações ou desvalorizações cambiais.

* A conta capital é extremamente importante, pois é como uma conta de ajuste. Se a coisa não vai bem, falta de dólares, até ali, ou seja, se o saldo de transações correntes for muito negativo, terá que ser compensado por uma forte entrada de dólares pela conta de capital, do contrário haverá desvalorização cambial e seu principal efeito negativo, elevação na inflação. Dada a sua importância, analisemos separadamente cada uma destas subcontas:

  • Investimentos diretos – são também chamados de capital de risco. Por se tratarem de investimento produtivo (novas empresas) há o risco de o negócio não dar certo – não confundir esse risco com o risco especulativo, que veremos abaixo. Estamos falando aqui dos investimentos das multinacionais, em grande parte. Alternativa para atrair novos investimentos: isenções fiscais, reduzindo o custo de produção destas novas empresas, e redução da taxa selic o que estimula o consumo de seus produtos.

  • Capital de curto prazo ou especulativo – dinheiro que se destina a um país para aplicações de curto prazo e sem fins produtivos. O exemplo mais clássico são os empréstimos feitos aos governos. Ou seja, quanto maior a taxa selic, por exemplo, mais interessados ficam os investidores ao redor do mundo em emprestar ao governo brasileiro. Falamos aqui da intervenção indireta estudada na lição 18. Alternativa para atrair novos investimentos: obviamente, elevar a taxa de juros básica e atrair especuladores. Acontece com regularidade nos países que tem excessiva preocupação com o controle da inflação oficial, como o Brasil com o IPC-A. Porém não é uma medida muito salutar uma vez que a elevação na selic aumenta nossa dívida interna e a necessidade de superávit primário para quitar os seus juros. Além disso é um dinheiro que quer ir embora o mais rápido possível, ou seja, ajuda hoje mas amanhã pode trazer problemas. Não é  à toa que as vezes o denominam hot money (dinheiro quente), ou seja, não para quieto e não produz nada.

  • Empréstimos e financiamentos – é muito comum nas grandes empresas, e na maioria das vezes mais barato, pegar dólares, euros etc emprestados lá fora. Os juros tendem a ser mais baixos o que barateia os investimentos. Quando uma empresa faz essa dívida lá fora chamamos de dívida externa, assunto da próxima lição. É um dinheiro utilizado para elevar o parque produtivo e com isso as vendas e o lucro. Assim fazem Petrobrás, Aracruz, Vale, Telemar etc etc. Mas não só as empresas fazem dívida, os bancos também a fazem, para emprestar aqui dentro a juros mais elevados, claro; além do governo. No caso do governo o destino da dívida em dólares contraída lá fora é exclusivamente incrementar as reservas cambiais. Assim, empresas, bancos e o governo são os detentores da dívida externa. Notem que o governo, via banco central, não tem controle direto sobre nenhuma das entradas e saídas de dólares no mercado de câmbio, até porque são decisões privadas. Ou seja, os dólares que entram e saem ficam nos bancos, só vão pras reservas cambias se o governo os comprar. Esse empréstimo (dívida externa) feito pelo governo diretamente com os bancos lá fora é a única conta do balanço de pagamentos onde o governo leva dinheiro diretamente pras reservas. Assim, pode incrementar as reservas pegando emprestado em dólares lá fora ou comprar os que sobram aqui dentro no mercado de  câmbio. Sabemos que a taxa de juros é o que determina o volume de dívida externa que fazemos, quanto menor melhor, e mais dívida é contraída. Veremos em outro post que essa taxa de juros depende, principalmente, do que chamamos de Risco-País, ou risco-Brasil, no nosso caso.

  • Amortização da dívida externa – por questões contábeis e de visualização essa conta entra na conta de capital e os juros entram na conta serviço. Na verdade ao utilizarmos dinheiro de outrem (dívida externa) é como se estivéssemos utilizando um serviço, por isso seu juro entra na conta serviço e o principal, a amortização, na conta de capital.

Em resumo, há formas saudáveis de estimular a sobra de dólares no mercado de câmbio (saldo positivo no Balanço de Pagamentos) e os efeitos positivos da valorização cambial (principalmente a queda na inflação) dele decorrentes como: estimular as exportações, atrair investimentos diretos (produtivos) principalmente com redução na selic e estímulo ao consumo e até dívida externa, barata, feita por empresas no exterior. A sobra de dólares decorrente da elevação na selic é uma possibilidade, mas nem de longe a mais saudável, pois só atrai capitais de curto prazo e assusta os investidores produtivos pois terão menos clientes para os seus produtos. Vejam reportagem do Jornal O Globo de 22/04/2010 sobre o assunto  (Transações do Brasil com o exterior tiveram déficit de US$12,145 bi no primeiro trimestre).

Mas e se tudo der errado? Se as exportações não forem boas, deixando a conta de transções correntes muito negativa? E se a conta de capital com seus investimentos diretos, especuladores etc não suprir essa falta? Ou seja, se faltar muito dólar e o câmbio disparar e fugir ao controle? A conta empréstimos entra em cena mais uma vez. É a derradeira opção, pedir socorro e procurar o agiota, ou seja, fazer dívida externa não com um banco qualquer, até porque eles não mais querem conceder empréstimos a quem já esteja moribundo, mas com o pior de todos os credores, cujo nome nos é bem familiar, FMI (Fundo Monetário Internacional). O empréstimo de emergência feito pelo Governo Federal vai engordar as reservas cambias e minimizar a desvalorização cambial.

Fechando o balanço temos o Saldo do Balanço. Todas as contas citadas acima tem entradas e saídas de dólares de minuto em minuto, implicando valorizações ou desvalorizações cambiais ao longo do dia. O governo faz um fechamento do balanço parcial a cada mês, para fazer um fechamento anual e um balanço das maiores entradas e saídas de dólares.

OBS: como classificamos os investimentos estrangeiros na  bolsa de valores brasileira? Capital especulativo ou investimento direto? Pode ser as duas coisas dependendo da ótica. Podemos diferenciar capital produtivo do especulativo pela ótica da aplicação do recurso. No primeiro caso o dinheiro é utilizado para um novo negócio, algo produtivo que gere emprego e renda. Enquanto o especulativo não produz nada, ou seja, irá apenas buscar uma rentabilidade fácil nos bolsos do governo. Nessa ótica a bolsa é investimento direto (capital) de risco, pois ao comprarem ações estes investidores viram sócios das empresas.

Todavia, se olharmos os investimentos pela ótica do prazo das aplicações classificariamos os especuladores como investidores de curto prazo, já que querem ganhar dinheiro e sair o mais rápido possível. Os investimentos diretos seriam de longo prazo, uma vez que novos negócios levam muito tempo pra maturar, portanto não saem logo do país. Neste caso os investimentos em bolsa seriam um capital especulativo, pois os investidores podem vender as ações que compraram imediatamente e sairem do país.

Ou seja, dependendo da ótica, os investimentos na bolsa brasileira podem ser classificados como investimento direto (produtivo) ou investimento especulativo.

¬ Lição de economia n°22: Política cambial (Parte 7 - Defasagem cambial, câmbio real e Big Mac's)

Alguns alunos me perguntam por que nossa moeda valia tão pouco frente ao dólar em alguns momentos da história recente. Por exemplo, por que 1 dólar era trocado por 2.000 cruzados, ou mais?

O raciocínio para entender isso não é tão complicado. Imaginemos um país com inflação elevada, exatamente o nosso caso até 1994. Agora pensem em um exportador que tenha o preço do kg de frango a R$2,00. Um comprador que venha dos EUA, por exemplo, ao trazer seu dólar, supondo a cotação no dia a US$1/R$2,00, compraria exatamente 1kg de frango após converter sua moeda. O exportador estaria satisfeito com a venda e o importador com sua compra.

Mas, em um país com alta inflação, e exageremos em 100% ao mês, terá o preço do frango elevado para R$4,00 por kg. O importador americano vem no mês seguinte com o mesmo dólar, troca por R$2,00 e tenta comprar o kg de frango. No entanto, ele compra só a metade, já que o kg subiu para R$4,00. Isso prejudica muito o exportador e, como vimos, desaquece o PIB. Os economistas chamam isso de atraso cambial, ou defasagem cambial. Ou seja, o câmbio nominal não acompanhou a evolução da inflação, prejudicando o câmbio real.

O que o governo poderia fazer para amenizar o problema? Controlar a inflação! Porém, a década de 1980 mostrou que isso não era tão fácil. O governo, então, tinha como única opção desvalorizar o câmbio; os mecanismos para que isso seja feito já vimos na lição nº18. Se levasse a cotação para US$1/R$4,00 o comprador americano agora poderia trocar seu dólar por 4 reais e comprar o 1kg de frango. Ambos saem satisfeitos novamente.

Todavia, no mês seguinte, com inflação de 100% novamente, o frango custaria R$8,00. De novo o governo desvaloriza nossa moeda para garantir o poder de compra do importador e as vendas do exportador. E assim vamos, ao longo de anos temos US$1/R$2.000.

Esse mecanismo, apesar de favorecer o exportador, complica ainda mais a inflação. Já vimos que toda desvalorização cambial favorece as exportações e o PIB mas prejudica as importações e a inflação. Assim, toda vez que o governo desvaloriza o câmbio ele prejudica os importadores e joga a inflação pra cima, isto é, encarece o preço do frango. É um círculo vicioso, ele desvaloriza o câmbio para favorecer o exportador, mas acaba elevando a inflação e, com isso, também o preço do produto do exportador. Aí precisa novamente desvalorizar o real ...

Esse seria mais um dos efeitos ruins do câmbio fixo, os outros já trabalhamos ao falarmos do Plano Real. Ou seja, se o câmbio é fixo, mas a inflação não, como sabemos, por menor que ela seja haverá sempre um encarecimento no preço do frango, e de todos os outros produtos. Assim o câmbio fixo que já prejudica as exportações por ter sido valorizado, pois seu objetivo básico é favorecer os importadores e a inflação, acaba por piorar a situação para os exportadores, pois o mínimo de inflação que resta, acumulada ao longo dos anos, faz com que seu produto fique caro para os compradores de fora. E esse foi um outro problema enfrentado pelos exportadores ao longo do Plano Real, além da valorização e fixação em US$1/R$1 ainda havia inflação e com isso defasagem cambial.

No câmbio flutuante esses problemas se resolvem automaticamente com desvalorizações cambiais, isto é, por conta do próprio mercado. O que podemos concluir, então, é que a tendência do câmbio é sempre desvalorizar em função das elevações na inflação. Esse ajuste automático aconteceria da seguinte forma: se o preço dos produtos exportados sobe aqui (inflação), os compradores não trazem dólares; a falta de dólares acaba forçando automaticamente a desvalorização cambial no mercado de câmbio - isso se ele for flutuante, porque se for fixo já vimos que os exportadores são prejudicados. Essa desvalorização favorece novamente os exportadores que voltam a vender – observem que não trabalho aqui com a ideia de que a falta de dólares das exportações será compensada no mercado de câmbio pela entrada de dólares de investimentos, turismo etc. Neste caso o exportador fica efetivamente prejudicado.

Mas, supondo que a falta de exportações desvalorize efetivamente o câmbio, concluímos que as elevações na inflação forçam a desvalorização cambial como um ajuste automática pela queda nas exportações e falta de dólares no mercado de câmbio.

Teríamos no longo prazo a situação do gráfico abaixo. Quanto mais acentuada a inflação maior a desvalorização cambial, e vice versa. As oscilações de curto prazo ocorrem em função das maiores ou menores entradas de dólares no mercado de câmbio em função de investimentos, pequenas crises etc, sendo neste caso controlado pelo Banco Central. Em períodos de baixa inflação o câmbio continua sua tendência de desvalorização, só que mais suave. Se isso não acontecer os exportadores, e o PIB, são prejudicados. Se esse ajuste automático, desvalorização cambial, não vier, cabe ao governo fazê-lo. Óbvio que essa desvalorização estimulada pelo governo tenderá a acompanhar a inflação quanto mais importante for a exportação pra economia do país e quanto menor for a entrada de dólares por outras contas (investimentos, captação de empresas, capitais de curto prazo etc), o que diminuiria essa necessidade de desvalorização.

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Gráfico 3

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OBSERVAÇÃO: quando comentamos nas lições anteriores que os exportadores são prejudicados pelas valorizações cambiais não explicitamos todo o problema, pois os efeitos negativos vem de 2 lados: (1) são prejudicados pelas valorizações do real, pois recebem menos reais na troca por seus dólares (câmbio nominal); (2) também se a inflação no Brasil for maior que a de outros países, isto é, pela defasagem cambial (câmbio real), o que os faz perder competitividade pelo encarecimento de seus produtos. Logo, se além da valorização no real, a inflação interna também fica acima dos demais países, o efeito prejudicial dos exportadores é bem maior.

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O índice Big Mac

Além de identificar a inflação como um elemento que tende a desvalorizar o câmbio no longo prazo, um outro olhar sobre o câmbio é interessante: o quão desvalorizada, ou valorizada, está a minha moeda frente às demais? Para mensurar isso, dentre outras possibilidades, existe o tal do Índice Big Mac, calculado pela revista britânica The Economist, que é uma forma simples de identificar se uma moeda está ou não valorizada frente a outras moedas. Façamos um raciocínio com 3 países e vejamos qual moeda está mais valorizada:

  • Brasil

1 dólar = 1,80 reais

1 bigmac = 13 reais

  • Chile:

1 dólar = 3,2 pesos

1 bigmac = 22 pesos

  • Itália:

1 dólar = 0,80 euros

1 bigmac = 4 euros

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Valor em dólar do big Mac em cada país:

Brasil: 7,22 dólares (13/1,80)

Chile: 6,87 dólares (22/3,2)

Itália: 5 dólares (4/0,8)
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Concluímos que o Big Mac, em dólares, no Brasil, é mais caro. A culpa disso é a elevação nos preços internamente, isto é, inflação (ou seja, um problema no numerador)? Não necessariamente. A culpa pode ser do câmbio (denominador), isto é, na medida em que o câmbio valoriza, ao convertermos o valor do Big Mac pelos reais correspondentes, seu preço em dólares sobe. Por exemplo, considerando o mesmo preço de R$13 só que agora com um câmbio de 1,5 reais por dólar, teríamos um preço em dólares de 8,66. Ou seja, nada mudou na construção do Big Mac mas, quando o convertemos em dólares, o seu preço em dólar sobe. Conclusão: o câmbio no Brasil está mais valorizado do que nos outros países. Ou seja, duas são as causas para identificar o porquê de um país ter o preço, em dólar, mais elevado do que outro: a inflação interna ou a cotação do dólar.

De modo semelhante, quando o que se utiliza não é apenas o preço do Big Mac, mas uma cesta de bens, temos uma teoria (matemática) mais elaborada, denominada PPC (paridade do poder de compra).

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¬ Lição de economia nº21: Política cambial (Parte 6 – A política cambial no Plano Real)

O Plano Real, lançado em 1994, servirá, apesar de já relativamente longínquo, de estudo de caso para entendermos o câmbio fixo e seus desdobramentos. Não tratarei aqui da elaboração do plano, da troca de moeda do cruzeiro real para o real etc. O que nos interessa é o fato de o Plano ter utilizado como elemento mais importante a política cambial - das intervenções diretas, passando pela indireta (selic) até o pedido de ajuda ao FMI. Não coincidentemente, foi tipificado na época como âncora cambial, isto é, toda a economia estava ancorada (amarrada) no câmbio, mais especificamente, na cotação de US$1/R$1.

A estratégia básica do então presidente FHC (Fernando Henrique Cardoso), que trabalhou o plano ainda como ministro da fazenda no governo Itamar Franco (1992), foi fixar o preço do dólar em 1 real, garantindo que não fosse negociado nem acima nem abaixo disso no mercado de câmbio - na verdade, uma oscilação mínima de alguns centavos era inevitável e admissível. Ou seja, importadores, exportadores, investidores, turistas etc comprariam, ou venderiam, seus dólares a esse preço, ou bem perto dele. A fixação dessa paridade veio com uma valorização (ou sobrevalorização, como diziam na época)  prévia do câmbio, já que antes disso ele estava em R$1,30 ou R$1,40. A rigor, ou tecnicamente falando, o câmbio não era exatamente fixo, o governo só evitava que ele se desvalorizasse de forma excessiva, pois isso traria novamente a inflação. Entre julho de 1994 e janeiro de 1996, período de maior otimismo com o plano, o câmbio ficou abaixo de R$1 por dólar - em alguns momentos bateu em R$0,85. Nada ruim, pra quem visava a valorização e importados baratos.

Os efeitos positivos e negativos dessa valorização sobre a economia já vimos:

1º) queda na inflação, pois os produtos e matérias-primas importadas ficam baratos. Isso afeta o IPA e, em seguida, o IPC-A, que ficou baixo nos meses após o plano. A título de comparação, em junho de 1994, 1 mês antes do lançamento do Plano, o IPC-A fechou em 47,43% no mês - considerando todo o ano de 1993, impressionantes 2.477%.

2º) Os exportadores são prejudicados, pois recebem menos reais por cada dólar, dentre eles o têxtil e calçadista. Isso tende a desacelerar o PIB e reduzir o número de empregos, já que as exportações representam algo próximo de 20% da riqueza gerada.

Um outro efeito negativo sobre o PIB vem das próprias importações. Isto porque importações excessivas, como aconteceu na época, inundam o mercado de produtos de fora a preços baixos. Recordam-se das inúmeras lojinhas de R$1,99? O efeito disso não foi só sobre a desaceleração na inflação, foi também devastador sobre a indústria nacional que produzia bens similares (roupas, brinquedos, sapatos, acessórios, bugigangas em geral). Na incapacidade de reduzir custos para competir com estes produtos, em sua maioria vindos da China, não restou outra alternativa senão fecharem as portas. Soma-se a isso a crise enfrentada pelo setor exportador e temos um efeito péssimo sobre o PIB e o nível de empregos.

Mas, o governo deixou claro que seu primeiro objetivo era combater a inflação e a queda de 47,43% ao mês para algo próximo de zero nos meses seguintes seria bastante convincente para os eleitores. O foco no crescimento, via exportações, só foi pensado em 1999, mas já era tarde demais.

A âncora cambial

E o que fazer no mercado de câmbio para garantir esse dólar a R$1,00 e com isso importados baratos e inflação baixa? O que você faria se soubesse que o dólar está baratinho e que, provavelmente, uma hora irá subir de valor? Compraria dólares, claro! E foi o que os bancos, principalmente, fizeram ao longo de anos. Compravam dólares sabendo que uma hora o Plano acabaria e eles fariam um bom dinheiro.

Indo além, se as exportações estão comprometidas nesse cambio fixo não temos entrada de dólares no mercado de câmbio. Se as importações crescem em grande quantidade temos uma grande saída de dólares desse mesmo mercado de câmbio. Se todos compram dólar achando que ele subirá mais à frente e os guardam temos mais uma saída do mercado de câmbio. Resultado? Uma falta constante, e brutal, de dólares nos bancos. Todavia, como garantir a paridade nesse caso (1/1), e o preço baixo dele aos importadores? Com Política cambial, isto é, muitas intervenções do Bacen (Banco Central) no mercado de câmbio, vendendo, vendendo e vendendo dólares das reservas para evitar que a cotação do dólar subisse e puxasse a inflação de custos (importados mais caros). O Plano Real tinha, portanto, data para acabar, e isso aconteceria quando se exaurissem as reservas cambiais.

A coisa se agravou com a crise no México em 1994, época de lançamento do plano no Brasil. O câmbio fixo também era utilizado pelo governo mexicano e mostrou-se ineficaz e traumático. Eles o abandonaram e avisaram o mundo que o preço seria muito caro. Os investidores, imaginando o que aconteceria com o Brasil, fugiram do país e levaram seus dólares, ou seja, menos dólar no mercado de câmbio e mais reservas perdidas para conter sua alta. Em 1997 a Ásia entra em crise pelo mesmo motivo. Em 1998 a Rússia padece do mesmo mal. Faltavam apenas dois países a abandonar o câmbio fixo: nós e nossos hermanos Argentinos.

Em função das crises financeiras as reservas tiveram uma redução mais rápida que o previsto, e já em 1998 praticamente não as tínhamos mais; isto é, a fonte que alimentava a política cambial do governo, a mais importante, havia secado. Não poderíamos mais manter o câmbio fixo, ele precisava flutuar. Mas, como fazer isso se no fim do ano haveria eleição e o presidente que lançou o Plano era candidato? Como dar um 'jeitinho' de segurar o câmbio fixo, e a inflação, até lá?

Alguém "chutou" a taxa selic (intervenção indireta)? Acertou! E foi assim que aconteceu, o governo deu a segunda, mas não a última, cartada para manter o mercado de câmbio com dólares suficientes que evitassem a desvalorização cambial, mesmo que a um preço exageradamente alto, valeu-se da política monetária. O presidente do Bacen elevou então a taxa selic, e por alguns meses ela chegou a mais de 45% (ao ano), como alternativa, insana, de atrair especuladores (bancos) de todos os cantos do mundo com seus preciosos dólares. Funcionou, ao menos até que a reeleição estivesse garantida - os efeitos desastrosos disso sobre a dívida pública interna apareceram nos anos seguintes.

Contudo, a coisa não parou por aí; o capital especulativo não era suficiente para sustentar a falta de dólares no mercado de câmbio. O governo também emitiu em grande quantidade papéis cambiais (vendendo a alma ao capeta como vimos na lição 18), aqueles títulos públicos que pagam a diferença do dólar no vencimento, resumindo, garantem o valor do dólar lá na frente. Esse dólar lá na frente estaria muito elevado, obviamente, e alguém pagaria a conta. E pagamos! Foi suficiente? Não! Se a conta já estava saindo cara até aqui piorou ainda mais quando, dada a tendência de desvalorização crescente da moeda, emitimos o primeiro pedido de socorro ao FMI - batemos à porta do agiota. Só em 1998 foram US$ 41 bilhões. (veja artigo da Folha com reflexões do próprio FHC sobre o problema cambial em 1998)

A partir daí, em 1999, o governo FHC "não precisaria" mais dos especuladores, menos ainda das reservas. Abandonou o câmbio fixo, afinal não havia o que fazer, e viu o câmbio flutuar - tudo bem que quase sempre pra cima, como era previsível. O governo ainda tentou fazer algumas bandas cambiais em janeiro de 1999 para que ele não desvalorizasse de vez. Mas, ao liberá-lo, a partir de R$1,20, em menos de dois meses ele chegou a R$2,10. O resultado disso foi que o IPC-A no fim do ano ficou próximo de 9%; em 2002, com o dólar "beliscando" os R$4,0 o IPC-A fechou em 12,5%.

Em 21 de janeiro de 2009, ao fazer um balanço do Plano Real, um texto do Folha Online dizia: "Dez anos atrás, o Brasil parou para tentar desarmar uma 'bomba-relógio' montada pouco após o Plano Real. Era a política de bandas cambiais, que mantinha o dólar quase fixo e havia sido um dos pilares do sucesso do combate à inflação, mas que, em janeiro de 1999, parecia ter os dias contados por conta do desequilíbrio nas contas externas e da sangria das reservas internacionais".

Em 2001 o atentado nos EUA e a bancarrota Argentina forçaram o governo novamente a atrair especuladores e pedir mais ajuda ao FMI, mais US$ 15 bilhões. Porém, a desvalorização atingiu níveis críticos na virada do ano de 2002/2003 quando um novo presidente, de esquerda, estava prestes a assumir a presidência; o dólar estava próximo de R$4,0 - mais US$ 30 bilhões foram pegos com o FMI para tentar acalmar o mercado de câmbio.

Em linguagem mais popular, o governo manteve por longos anos um Pit Bull acorrentado. Ao criar coragem e libertá-lo das correntes as consequências seriam previsíveis, porém, inevitáveis. Resumo da ópera: com reservas cambiais, câmbio valorizado e inflação baixa FHC havia levado duas eleições. Com a ausência delas, câmbio desvalorizado e inflação em alta, não emplacou seu sucessor (José Serra), entregando a presidência ao, até então, ‘bicho papão’ da esquerda. Dali pra frente os maus agouros não se concretizaram, o dólar voltou a cair, o governo comprou muitos dólares para minimizar o efeito negativo sobre os exportadores, e o resto todo mundo já sabe, reservas cambiais recordes.

Aqui cabe uma última observação. O período em que o discurso contra a inflação é mais importante para a população definir o voto do que as demais propostas governamentais parece estar chegando ao fim. Na medida em que as pessoas (e os economistas) mais velhas forem morrendo, a memória inflacionária tende a ir junto. Ou seja, as novas gerações não presenciaram inflações de 50% ao mês e não sabem o trauma que isso gera na economia e nas famílias. Logo, a tendência é que os discursos contra a elevação da inflação dos candidatos à presidência tenham menos efeito sobre estes indivíduos, ao contrário do que aconteceu nos últimos 20 anos.