¬ Lição de economia nº28: Mr. Bush, Mr. Keynes e a taxa de juros

smokeringEm 23/11/2001, quando as torres gêmeas ruíram nos EUA,  redigi um artigo mostrando como elementos políticos ou religiosos podem afetar, de forma desastrosa, a economia. O título de então era: “Bin Laden, Keynes e a taxa de juros”. Recupero-o hoje mudando apenas o nome do seu coadjuvante principal, Bush. E acho que as diferenças básicas entre ambos, Bin Laden e Bush, resumem-se a apenas duas: a longa barba do primeiro e o QI, notoriamente inferior, do segundo.

Os efeitos que tio Bin tentou em 2001, em um plano mirabolante, maquiavélico, e genial, ao atingir o centro financeiro dos EUA, foram inferiores aos que seu seguidor menos prodígio conseguiu enquanto presidente dos EUA ao longo de dois mandatos, comprovado pelo caos de 2008. Mas o que acontece nas crises? Por que a política monetária não funciona?

Dizia lá em 2001, e repito ‘cá’ em 2009, que uma coisa na economia parece óbvia: quanto menor a taxa de juros mais barato o preço do dinheiro e com isso maior o investimento, uma vez que a expectativa de retorno do empreendimento dos empresários pode situar-se acima da taxa de juro que ele paga ao tomar dinheiro emprestado dos bancos. É esse ganho (diferencial) que estimula os investimentos. Daí a importância do governo controlar a variável chave da economia, a taxa de juros, no nosso caso a taxa selic determinada pelo Banco Central. No caso deles, a taxa determinada pelo banco central americano (FED).

O que dizer então da economia americana no meio da crise atual, e também na crise em 2001? Por que as baixas nas taxas de juros não têm incentivado um consumo maior dos empresários e da população de um modo geral? A queda das torres do World Trade Center em 2001, e as “cagadas” do Sr Bush com a conseqüente crise em 2008, deixam claro o que o notório economista John Maynard Keynes, do início do século passado, explicou sobre esse “fenômeno” aparentemente contraditório na economia. Mas para entender melhor suas idéias precisamos fazer um contraponto deste com uma outra corrente de pensamento econômico: os Economistas Clássicos (escritores do século dezenove).

Segundo estes Clássicos a taxa de juros é o preço que regula a poupança e o investimento. Imaginemos que as pessoas gastem um percentual maior de sua renda em um período qualquer. Isso faz com que diminua o nível de poupança disponível, o que encarece o crédito. Altas taxas de juros implicam em menores investimentos. Assim, a poupança cai em um momento inicial e acaba, automaticamente, puxando para baixo o investimento no período seguinte, voltando automaticamente ao equilíbrio, sem a necessidade de intervenção do governo.

De modo contrário, suponhamos que as pessoas voluntariamente gastem menos de sua renda, poupando mais. Essa economia adicional estará disponível nos bancos, implicando que o excesso de oferta de dinheiro por estes force a queda nas taxas de juros cobradas nos empréstimos. A partir daí eleva-se a quantidade demandada de dinheiro dos empresários em função das baixas taxas cobradas, redundando em um volume maior de consumo e investimento. Temos aqui novamente um regulador automático na economia: queda no consumo e aumento na poupança em um primeiro momento; disponibilidade maior de dinheiro nos bancos a taxas reduzidas e elevação no consumo e investimento no momento seguinte. Ou seja, a queda inicial no PIB é compensada depois pela sua elevação em função do barateamento do crédito. Por que então o excesso de poupança no Japão, EUA, Europa, por exemplo, não é convertido em investimentos permitindo a saída do país da recessão (queda consecutiva do PIB por 2 trimestres consecutivos)?

A resposta não é tão simples, mas com certeza não a encontraremos nos economistas Clássicos, do contrário o crescimento já teria ocorrido. Vejamos qual seria a explicação de Keynes.O ponto central para Keynes é que a moeda não tem apenas a finalidade de facilitar as trocas de mercadorias como na Corrente acima. Ela possui também um papel crucial, qual seja, a de ser reserva de valor. Seria, portanto um ativo que representa segurança nos momentos de incerteza. É justamente a partir deste aspecto da moeda que podemos explicar a contradição aparente na economia japonesa e americana. Se imaginarmos períodos de incerteza sobre a economia (épocas de crise política ou econômica) fica claro que o consumidor ou empresário terá preferência pela liquidez (moeda), pela segurança que ela lhe proporciona em momentos como esse - é o que em economia se chama de armadilha da liquidez. Por mais liquidez que o governo proporcione ele se encontra em uma armadilha, já que essa grande quantidade de dinheiro, em função da incerteza, não se reverte em consumo, no curto prazo.

Mas quais seus efeitos sobre a economia (consumidores e empresários)? a) Os consumidores nestes momentos preferem guardar dinheiro em casa a consumir, dada a incerteza sobre o futuro (e isso não é poupança, é precaução). Essa queda no consumo afeta, por conseguinte, a expectativa de retorno (receita) dos empresários, pois venderão menos. Uma pessoa só consumirá caso o prazer obtido por este seja maior do que o medo (expectativa) do momento, bem como, poupará somente se o retorno (prêmio) pago por uma instituição financeira supere seu medo de guardar o dinheiro. b) Os capitalistas vêem cair suas receitas devido a redução do consumo e acabam da mesma forma reduzindo seu próprio consumo, retendo também uma quantia maior de dinheiro.

Mas o consumo do empresário nada mais é do que o investimento, e se eles não investem a economia não cresce. Nesse sentido, a taxa de juros que ele espera obter para abrir mão de guardar dinheiro é exatamente a expectativa de retorno do seu investimento, ou seja, a eficiência marginal de seu capital (o que na administração financeira é chamada de Taxa Interna de Retorno). Assim, ele só abre mão do dinheiro se o que espera receber de retorno em seu investimento superar a taxa determinada pelo governo (digo do governo, pois esta serve, em tese, como referência às demais taxas do mercado, no nosso caso a taxa selic). Para os empresários é a taxa de rentabilidade de seu capital que, comparada com a do mercado, determina o volume de investimento a ser feito. Portanto, quedas no nível de consumo engendram mudanças nas expectativas que afetam todo o sistema, não implicando como diziam os Clássicos que esse dinheiro poupado na diminuição do consumo seja convertido em investimentos.

Resumindo: conforme os Clássicos, o aumento na poupança nos EUA deveria forçar para baixo as taxas de juros implicando em maior consumo e investimento e reversão do ciclo depressivo, o que não acontece, pelo menos não de imediato e como previsto. Para Keynes a incerteza acerca da economia (o medo do porvir) implica em maior demanda por moeda e menor consumo, tanto da população de um modo geral quanto dos capitalistas, ou seja, um problema de demanda (consumo) originado da incerteza sobre o futuro.

Apesar de o governo americano baixar as taxas de juros para aquecer o consumo, este não aumenta. Assim, a injeção de moeda pelo governo para diminuir o custo do crédito não faz crescer os investimentos, pois todo dinheiro despejado na economia é imediatamente retido. Se o rendimento esperado dos empresários em seus investimentos for menor ainda que essa taxa definida pelo mercado, eles não ocorrerão, e esse tem sido o problema: expectativas futuras extremamente pessimistas.

O aspecto psicológico é quem governa, portanto, o crescimento da economia nesse caso. Enquanto as expectativas não se reverterem, não terão muita eficácia as políticas monetárias adotadas pelo governo. Surge daí a necessidade deste intervir, não com política monetária, mas como o próprio investidor (produtor) capitalista, o que tem feito americanos e japoneses nas últimas décadas para tentar reverter a recessão. A influência sobre a economia americana e mundial da queda das torres nos EUA, bem como da recente crise financeira, talvez faça agora algum sentido.

2 comentários:

  1. sandra sato8/26/2009

    Olá Kantega,

    Lembrei de você ao ler a entrevista com o investidor norte americano Jim Rogers, 66, na Veja de 26 de agosto deste ano. Um dos pontos que mais me chamou a atenção foi quando disse que "a agricultura é a única área da economia mundial cujo fundamentos estão melhorando". Acrescenta dizendo que o setor será o primeiro a crescer no mundo pós-crise. Em uma das aulas, você disse algo parecido.

    As respostas de Rogers foi as mais esclarecedoras, para eu que sou leiga, na área de investimentos ante a crise. Antes de ler a entrevista, não conhecia o cara e nem me importa o que seja. Mas me alertou para alguns pontos sobre o assunto.

    Mudando de conversa....

    Estou procurando um lugar para hospedar meu blog. Gostei do wordpress mas achei muito complicado instalar. Como você avalia o local? Tem uma maneira mais fácil de instalar? o seu pacote é o gratuito?

    Até,
    Sandra Sato

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  2. kantega8/26/2009

    Pois é, tb li a entrevista. É boa mas tem, como sempre, um cunho economicamente ideológico. Aquele das vantagens comparativcas do Sr David Ricardo. Ou seja, nós produzimos bananas, café e açúcar enquanto eles produzem celulares, carros, tecnologia e nos vendem com valor agregado muito superior. De qualquer forma acho q a agricultura é o caminho no curto prazo até investirmos mais em educação e dermos saltos tecnologicos. Aí teremos duas frentes, uma no agronegócio (com alimentos, pra nós, a preço baixo, e com isso inflação sob controle) e outra na fronteira tecnologica, competindo diretamente com eles, e isso é tudo que os homens de olhos azuis não querem.

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