¬ Lição de economia nº27: Teoria e prática

Muitas vezes nos perguntamos o que a teoria tem a ver com a prática. Ou, o que da no mesmo, que na prática a teoria é outra. A partir daí nos indagamos qual a necessidade de estudos teóricos acerca da economia se no mundo real as coisas não funcionam tão perfeitamente. Bom, na verdade não é bem assim. Toda a discussão perpassa dois séculos de história econômica. Vejamos o exemplo a seguir, que mostra a relação entre inflação e produtividade, para identificar onde teoria e prática se encontram.

Diz a teoria econômica básica que qualquer crescimento econômico (leia-se PIB) é consequência do crescimento na demanda agregada, o que resulta também em elevação na procura, consumo, de  fatores de produção - trabalhemos aqui somente com o fator mão de obra para simplificar a análise. Com essa elevação na demanda (ou procura), os preços destes fatores elevam-se, em função do aumento na concorrência pelos mesmos, o que causa, portanto, aumento nos custos de produção, e com isso inflação (subida geral de preços). Essa premissa básica da da teoria econômica contraria o que acontece ás vezes em muitas economias desenvolvidas: o aumento no seu crescimento sem elevação insistente nos índices de inflação. Mas por que se dá essa contradição? Voltemos um pouco ao passado para entendermos essa relação teoria x prática.

Um economista sueco dizia que na medida em que os juros sobre os empréstimos bancários (taxa de juros de mercado, ou nominal) estão abaixo do que os empresários esperam obter de lucro com seus investimentos (taxa natural de juros), haverá uma tendência de que, obviamente, estes invistam mais, já que o retorno esperado da sua produção será melhor do que uma aplicação bancária. Pensando de outra forma, se um empresário espera obter um retorno no seu investimento de 10% em dois anos, e se considerarmos que a taxa de juros dos empréstimos no sistema bancário é de 8%, fica claro que ele pegará emprestado dinheiro no banco a 8% por dois anos. Fará o investimento que acha que lhe renderá os 10%, ganhando assim os 2% dessa diferença no fim desse período.

A partir daí façamos outra suposição. Consideremos uma economia onde os recursos estão quase que completamente utilizados, simplificando, onde todos os trabalhadores estejam empregados. Ao mesmo tempo, suponhamos que a produtividade do trabalho, isto é, a capacidade de um trabalhador de produzir "X" mercadorias por hora de trabalho, não se altere. Nesse caso, o capitalista que decide investir mais (como explicado acima, em função de suas expectativas de retorno maiores), terá que disputar os fatores de produção, ou seja, os trabalhadores, com outras firmas, devido à escassez destes. Caso todos os empresários procurem mão-de-obra, mas toda ela se encontre empregada, isso implica que se tem que pagar um preço mais alto para que um empregado aceite largar seu emprego e mudar para outro. Esse fato acaba gerando um aumento no preço da força de trabalho, isto é, um aumento de salários, o que tende a elevar os custos dos empresários. Estes, por sua vez, repassam essa elevação nos custos para seus preços, afetando toda a economia, e assim sucessivamente. Resultado: processo inflacionário, que este economista chama de processo cumulativo de preços.

O nome deste economista sueco é Knut Wicksell, e suas obras datam do início do século XX. Ele trabalha com a suposição de pleno emprego e de produtividade constante em seu modelo, mas apenas como suposição. Pergunta-se: qual a importância desta análise nos dias atuais? Olhando bem para algumas economias em períodos de prosperidade, fora das épocas de crise mundial, como a americana antes de 2008, notamos que a mesma situava-se próxima do pleno emprego, ou da taxa natural de emprego, o que eles denominam de Nairu (em torno de 4% de desempregados). E daí? Se continuarmos a análise, o que há de semelhanças entre a teoria do sueco e a economia americana nesses momentos, a princípio? Bom, se como no caso do sueco, a taxa natural (ou a expectativa de retorno dos empresários) situa-se acima da taxa de juros de mercado (bancária) temos, logicamente, um aumento nos investimentos por parte dos empresários e uma maior competição por trabalhadores. Como já mostrado na teoria, isso tenderia a gerar, na prática, um processo inflacionário na economia, certo?

Errado, já que os índices de inflação as vezes continuam baixos quando comparados ao ritmo de crescimento (aquecimento) da economia. Então, onde se encontra o erro? No simples fato de que quando Wicksell trabalhou sua teoria, considerou como constante (a famosa ideia do coeteris paribus, muito usada na economia) uma variável fundamental, qual seja, a produtividade. Nesse sentido, o processo cumulativo de preços (inflação) de Wicksell seria ilimitado, pois esta variável permanece inalterada enquanto os capitalistas demandam cada vez mais trabalho (escasso) à medida que a economia cresce. Isso aumenta indefinidamente o nível de preços, via aumentos na renda dos trabalhadores, custos dos capitalistas e repasse aos preços.

Chegamos então ao ponto central. Se na teoria há uma tendência de elevação nos preços quando a economia está aquecida, por que o caso americano em determinados períodos foge à regra. Simples, a produtividade do trabalho nos EUA na década de 90, por exemplo,subiu a taxas crescentes. Assim, quando o PIB cresce e aumenta o volume de investimentos, não há necessidade da contratação de mais trabalhadores e com isso de se pagar salários mais altos. Por quê? Por que como resultado do aumento na produtividade da mão-de-obra (treinamento, novas formas de organização, etc), os empregados produzem mais no mesmo período de tempo. Temos um aumento na produção, ou um PIB crescente, sem necessidade de elevação nas remunerações dos trabalhadores, portanto, uma economia sem inflação. Não vamos discutir aqui os ganhos dos trabalhadores com o aumento de sua produtividade, o que é uma verdade, mas sim que o aumento desta é suficiente para conter qualquer elevação de preços. Chegamos a uma constatação: os salários não sobem, não havendo nenhum aumento no nível geral de preços, isto é, inflação. A teoria do sueco então falhou?

Não, essa ilustração mostra que aquela contradição citada entre teoria x prática, ou que um aumento no crescimento de uma nação tende a elevar a inflação junto com o crescimento do PIB, é apenas aparente. Os dois elementos importantes aqui são o pleno emprego e a produtividade. Havendo trabalhadores desempregados não haveria sentido um aumento nas suas rendas, já que estes passam a aceitar um emprego com salários mais baixos, o que teria um efeito inverso do descrito acima. Mas, ainda que tenhamos uma economia com todos os fatores empregados, os efeitos de inflação seriam sentidos não em todos os países, mas somente naqueles que tem baixa produtividade.

Desse modo, não há contradição, o que existe é apenas uma diferença entre a relação produção x produtividade x inflação em cada país. Alguns, com baixa produtividade (ou a mesma constante),  tendem, por conseguinte, a crescer com elevação nas taxas de inflação. Outros, com alta produtividade, sentem menos esse efeito. Essa constatação pode ser vista freqüentemente em uma série de economias, desenvolvidas ou não, mostrando que, nesse caso, a teoria de Wicksell não estava errada.

E observem que esse raciocínio serve pra outra constatação elementar, já implícita. A  de que em momentos de crescimento econômico o aumento no número de vagas nas empresas não possui uma correlação perfeita, isto porque novas tecnologias são incorporadas, tendendo a dispensar, e não utilizar, mais trabalhadores. Portanto, dizer que o aumento no consumo implica elevação no PIB e no emprego não é necessária mente uma constatação empírica. Quanto ao crescimento, sim, quanto ao emprego vai depender da produtividade de cada país.

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