¬ Lição de economia nº12: Política monetária (Parte 2 - O Copom e a taxa selic)

Quando o governo pega dinheiro emprestado com os bancos está fazendo política monetária. Mas não vai pessoalmente fazer essa operação. Ela ocorre por meio de uma rede de computadores que ligam o Banco Central, banco do governo, aos os grandes bancos no Brasil. Essa negociação (um leilão), online, é feita dentro de um sistema informatizado chamado selic (Sistema especial de liquidação e custódia de títulos), daí surge o nome taxa selic. Essa operação costuma também ser chamada de open market (mercado aberto).

E o Banco Central nessa história? Aqui precisamos entender mais 2 conceitos: mercado primário e mercado secundário. Quando o Tesouro Nacional (governo federal) precisa de dinheiro ele emite esses títulos públicos no que se chama mercado primário, ou seja, é uma primeira emissão para captar recursos. Porém, poucos são os bancos autorizados a negociar com o governo, via Bacen. Nesse mercado primário atuam apenas 5 dos bancos, chamados de dealers primários. Feito isso os títulos ficam de posse destes que os negociam com outros bancos. Quando o governo, a partir da diretriz do Copom, precisa ajustar os juros no mercado delega ao Bacen essa tarefa. Agora não há mais lançamento de títulos novos, o Banco Central apenas vai ao mercado, leilão no sistema selic, para recolher títulos que há tenham sido lançados, ou comprá-los, regulando assim a taxa selic over. Ao retirar ou colocar dinheiro nos bancos (aqui são aproximadamente 10 dealers) ele faz uma atuação no que é chamado de mercado secundário. 

Explicando de outra forma, no mercado primário o Tesouro (governo) cria a sua dívida dando como garantia títulos públicos (open market). No mercado secundário o Bacen fica responsável por controlar a liquidez e afetar os juros na ponta, já que desde 2002 o Banco Central não tem mais autorização para emitir títulos. Por exemplo, caso o governo tenha identificado que o juro bom pra economia, de acordo com o nível de inflação vigente, seja de 10% ao ano o Bacen fica encarregado de ajustar isso no mercado secundário. Ou seja, o Bacen compra ou vende títulos diariamente para garantir que os juros entre os bancos não fiquem muito abaixo ou acima disso e não prejudiquem as metas de inflação. Esses juros, fruto do empréstimos entre os bancos, é chamado de juro CDI. São empréstimos feitos em um dia para serem quitados no outro, servindo apenas para fechar o caixa (cobrir a liquidez que faltou em um ou outro banco). Por isso são também chamadas de operações de overnight.

Pois bem ... E quem no governo identifica o que é um juro bom pra economia? Essa atribuição é definida por um órgão do governo denominado Copom (Comitê de Política Monetária), criado em 1996. São aproximadamente 7 membros que discutem sobre a economia, principalmente sobre a evolução do IPC-A e, por maioria simples, decidem qual será a selic para o período. São 8 reuniões no ano, o que dá um intervalo de aproximadamente 40 dias entre uma e outra (as datas são divulgadas no site do BC). A reunião, discussão, acontece em dois dias, começando na terça e terminando na quarta-feira, sendo a taxa selic divulgada no início da noite da quarta-feira, com os negócios financeiros (bolsa, dólar etc) já encerrados, para não gerar alarde. Na quinta-feira da semana seguinte sai outra informação importante. É a divulgação da Ata do Copom, que é a ata com todo o conteúdo da discussão da semana anterior, para que seja público o motivo da elevação, queda ou manutenção da taxa selic por parte dos membros presentes na reunião.

Uma ressalva sobre a taxa. Ela é chamada de taxa selic meta, pois é a acordada na reunião e que será levada para leilão, negociação, dentro do sistema selic - isto é, serve de meta (referência). Como as negociações entre os bancos diariamente, no mercado secundário, tem uma dinâmica própria a selic acaba diferindo um pouco dessa selic meta todo dia. Não seria possível pegar essa taxa negociada todo dia e divulgar na imprensa como sendo a taxa de juros básica da economia. É muita oscilação pra uma variável tão importante. Por isso essa selic diária é chamada de over, ou selic por dias úteis.

O importante da selic meta é que ela é mantida “fixa” ao longo de 45 dias e se, no dia a dia dentro do selic, ela for negociada muito acima ou muito abaixo do valor meta isso será discutido na próxima reunião e ela pode ser elevada ou reduzida. Do contrário, haveria um discrepância muito grande, e sem sentido, entre o que o governo aceita pagar de juros e é divulgado na TV (meta) e o que acontece efetivamente no seu “embate” entre os bancos (over).


Com ou sem viés

Apesar de não ser comum nos dias de hoje, a divulgação da taxa selic pelo Copom pode vir com alguns nomes complementares:

Taxa selic com viés de alta: significa que no fim da reunião do Copom eles decidem que a situação, com relação à inflação e o PIB podem não ser favoráveis para as próximas semanas. Podemos ter uma tendência de forte alta da inflação, por exemplo, nos dias que se seguem a reunião, mas como os índices ainda não saíram a selic é divulgada com viés de alta como precaução. Neste caso os 40 dias até a próxima reunião do Copom podem ser exageradamente longos, e uma decisão com relação aos juros precisa ser tomada no curto prazo, antes da próxima reunião. Assim, com a divulgação do viés de alta o presidente do banco central não precisa aguardar a próxima reunião para elevar a selic, o faz quando achar oportuno dentro desse intervalo de 40 dias. Por isso a sinalização com o viés de alta na divulgação da taxa, há uma tendência, viés, de que ela precise subir nos dias ou semanas seguintes.

Taxa selic com viés de baixa: é o raciocínio inverso. Quando as coisas vão bem mas os índices ainda não confirmaram essa tendência o governo divulga a taxa com viés (tendência) de baixa.

Taxa selic com viés neutro (ou sem viés): não há tendência alguma, boa ou ruim, pra economia nas semanas seguintes, então a taxa é divulgada sem viés. Essa foi a alternativa tomada durante todo o governo do Lula, ao contrário do governo anterior de FHC. O presidente do Banco Central optou, no caso do mandato do Lula, por não divulgar nenhum viés com a taxa, ou seja, torná-lo neutro, evitando que se criem expectativas ou fortes especulações com relação ao que acontecerá nos próximos meses. Assim, o presidente do Banco Central fica obrigado a aguardar a próxima reunião para definir os rumos da selic.


Juro nominal e juro real

Temos o péssimo hábito de ter a taxa de juro básica mais elevada do mundo, na verdade, a taxa de juro REAL. Quando comparamos nossa selic com as dos demais países estamos falando não da taxa nominal, aquela divulgada na reunião do Copom, mas da taxa real, que é a nominal menos a inflação projetada no ano.

Assim, se a selic divulgada após a reunião do Copom for de 10% ao ano, e a inflação anual oficial (IPC-A) estiver em 4,5% ao ano, temos uma taxa de juro real de 5,5%. Isto é, o governo brasileiro pagaria, para quem o emprestasse dinheiro, 5,5% acima da inflação. Esse 4,5% é o que nos coloca no topo do ranking de pior juro (real) do mundo.

Lendo de outra forma, quando eu, ou os bancos, emprestamos dinheiro ao governo por um ano perdemos 5,5% de inflação, pelo fato de o dinheiro ter ficador parado - e já comentamos que dinheiro parado é corroído exatamente por essa inflação. Em compensação, o governo me paga esses 5,5% no fim do ano mais um "agrado" de 4,5%. Nenhum outro país no mundo, ou pouquíssimos, paga esse juro real de 4,5%. Imaginem o efeito desse "agrado", mês a mês, ao longo de décadas, sobre a dívida pública interna, assunto que veremos em outra lição.

Conclusões: Vocês se recordam das fontes de inflação que afetam o IPC-A (choque de oferta, lucro, custos, consumo e inércia)? Pois é, se elas forçarem pra cima os preços dos produtos e serviços que compõem o IPC-A significa que o governo terá que pagar essa inflação a mais quando pegar dinheiro emprestado. Por exemplo, com um IPC-A de 10% no ano o governo precisa pagar uma selic de 14,5% (10% de inflação mais 4,5% de brinde, juro real). Porém, um problema pode surgir aqui para o governo. Na preocupação de combater essa aceleração brusca no IPC-A ele necessita retirar mais dinheiro do mercado e controlar o consumo das famílias. Pra fazer isso tem que subir o rendimento real (juro real) que paga e convencer os banqueiros a deixarem mais dinheiro com ele, e menos com a gente. Se ele não fizer isso os banqueiros não se sentirão atraídos com o juro real de 4,5% acima da inflação e direcionarão sua grana para as famílias e empresas - e sabemos q dinheiro na mão das familias é mais consumo e mais alta nos preços.

A solução, então, é o governo elevar o juro real (agrado) que pode, por exemplo, sair de 4,5% para 6% ao ano. Neste caso teríamos uma selic de 16%a.a (10%aa de reposição da inflação para o banqueiro + juro real de 6%aa) para combater a inflação de 10%. Só assim ele desaquece o consumo e controla os preços (70% de preços livres) que compõem o IPC-A.

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