¬ Lição de economia n°22: Política cambial (Parte 7 - Defasagem cambial, câmbio real e Big Mac's)

Alguns alunos me perguntam por que nossa moeda valia tão pouco frente ao dólar em alguns momentos da história recente. Por exemplo, por que 1 dólar era trocado por 2.000 cruzados, ou mais?

O raciocínio para entender isso não é tão complicado. Imaginemos um país com inflação elevada, exatamente o nosso caso até 1994. Agora pensem em um exportador que tenha o preço do kg de frango a R$2,00. Um comprador que venha dos EUA, por exemplo, ao trazer seu dólar, supondo a cotação no dia a US$1/R$2,00, compraria exatamente 1kg de frango após converter sua moeda. O exportador estaria satisfeito com a venda e o importador com sua compra.

Mas, em um país com alta inflação, e exageremos em 100% ao mês, terá o preço do frango elevado para R$4,00 por kg. O importador americano vem no mês seguinte com o mesmo dólar, troca por R$2,00 e tenta comprar o kg de frango. No entanto, ele compra só a metade, já que o kg subiu para R$4,00. Isso prejudica muito o exportador e, como vimos, desaquece o PIB. Os economistas chamam isso de atraso cambial, ou defasagem cambial. Ou seja, o câmbio nominal não acompanhou a evolução da inflação, prejudicando o câmbio real.

O que o governo poderia fazer para amenizar o problema? Controlar a inflação! Porém, a década de 1980 mostrou que isso não era tão fácil. O governo, então, tinha como única opção desvalorizar o câmbio; os mecanismos para que isso seja feito já vimos na lição nº18. Se levasse a cotação para US$1/R$4,00 o comprador americano agora poderia trocar seu dólar por 4 reais e comprar o 1kg de frango. Ambos saem satisfeitos novamente.

Todavia, no mês seguinte, com inflação de 100% novamente, o frango custaria R$8,00. De novo o governo desvaloriza nossa moeda para garantir o poder de compra do importador e as vendas do exportador. E assim vamos, ao longo de anos temos US$1/R$2.000.

Esse mecanismo, apesar de favorecer o exportador, complica ainda mais a inflação. Já vimos que toda desvalorização cambial favorece as exportações e o PIB mas prejudica as importações e a inflação. Assim, toda vez que o governo desvaloriza o câmbio ele prejudica os importadores e joga a inflação pra cima, isto é, encarece o preço do frango. É um círculo vicioso, ele desvaloriza o câmbio para favorecer o exportador, mas acaba elevando a inflação e, com isso, também o preço do produto do exportador. Aí precisa novamente desvalorizar o real ...

Esse seria mais um dos efeitos ruins do câmbio fixo, os outros já trabalhamos ao falarmos do Plano Real. Ou seja, se o câmbio é fixo, mas a inflação não, como sabemos, por menor que ela seja haverá sempre um encarecimento no preço do frango, e de todos os outros produtos. Assim o câmbio fixo que já prejudica as exportações por ter sido valorizado, pois seu objetivo básico é favorecer os importadores e a inflação, acaba por piorar a situação para os exportadores, pois o mínimo de inflação que resta, acumulada ao longo dos anos, faz com que seu produto fique caro para os compradores de fora. E esse foi um outro problema enfrentado pelos exportadores ao longo do Plano Real, além da valorização e fixação em US$1/R$1 ainda havia inflação e com isso defasagem cambial.

No câmbio flutuante esses problemas se resolvem automaticamente com desvalorizações cambiais, isto é, por conta do próprio mercado. O que podemos concluir, então, é que a tendência do câmbio é sempre desvalorizar em função das elevações na inflação. Esse ajuste automático aconteceria da seguinte forma: se o preço dos produtos exportados sobe aqui (inflação), os compradores não trazem dólares; a falta de dólares acaba forçando automaticamente a desvalorização cambial no mercado de câmbio - isso se ele for flutuante, porque se for fixo já vimos que os exportadores são prejudicados. Essa desvalorização favorece novamente os exportadores que voltam a vender – observem que não trabalho aqui com a ideia de que a falta de dólares das exportações será compensada no mercado de câmbio pela entrada de dólares de investimentos, turismo etc. Neste caso o exportador fica efetivamente prejudicado.

Mas, supondo que a falta de exportações desvalorize efetivamente o câmbio, concluímos que as elevações na inflação forçam a desvalorização cambial como um ajuste automática pela queda nas exportações e falta de dólares no mercado de câmbio.

Teríamos no longo prazo a situação do gráfico abaixo. Quanto mais acentuada a inflação maior a desvalorização cambial, e vice versa. As oscilações de curto prazo ocorrem em função das maiores ou menores entradas de dólares no mercado de câmbio em função de investimentos, pequenas crises etc, sendo neste caso controlado pelo Banco Central. Em períodos de baixa inflação o câmbio continua sua tendência de desvalorização, só que mais suave. Se isso não acontecer os exportadores, e o PIB, são prejudicados. Se esse ajuste automático, desvalorização cambial, não vier, cabe ao governo fazê-lo. Óbvio que essa desvalorização estimulada pelo governo tenderá a acompanhar a inflação quanto mais importante for a exportação pra economia do país e quanto menor for a entrada de dólares por outras contas (investimentos, captação de empresas, capitais de curto prazo etc), o que diminuiria essa necessidade de desvalorização.

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Gráfico 3

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OBSERVAÇÃO: quando comentamos nas lições anteriores que os exportadores são prejudicados pelas valorizações cambiais não explicitamos todo o problema, pois os efeitos negativos vem de 2 lados: (1) são prejudicados pelas valorizações do real, pois recebem menos reais na troca por seus dólares (câmbio nominal); (2) também se a inflação no Brasil for maior que a de outros países, isto é, pela defasagem cambial (câmbio real), o que os faz perder competitividade pelo encarecimento de seus produtos. Logo, se além da valorização no real, a inflação interna também fica acima dos demais países, o efeito prejudicial dos exportadores é bem maior.

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O índice Big Mac

Além de identificar a inflação como um elemento que tende a desvalorizar o câmbio no longo prazo, um outro olhar sobre o câmbio é interessante: o quão desvalorizada, ou valorizada, está a minha moeda frente às demais? Para mensurar isso, dentre outras possibilidades, existe o tal do Índice Big Mac, calculado pela revista britânica The Economist, que é uma forma simples de identificar se uma moeda está ou não valorizada frente a outras moedas. Façamos um raciocínio com 3 países e vejamos qual moeda está mais valorizada:

  • Brasil

1 dólar = 1,80 reais

1 bigmac = 13 reais

  • Chile:

1 dólar = 3,2 pesos

1 bigmac = 22 pesos

  • Itália:

1 dólar = 0,80 euros

1 bigmac = 4 euros

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Valor em dólar do big Mac em cada país:

Brasil: 7,22 dólares (13/1,80)

Chile: 6,87 dólares (22/3,2)

Itália: 5 dólares (4/0,8)
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Concluímos que o Big Mac, em dólares, no Brasil, é mais caro. A culpa disso é a elevação nos preços internamente, isto é, inflação (ou seja, um problema no numerador)? Não necessariamente. A culpa pode ser do câmbio (denominador), isto é, na medida em que o câmbio valoriza, ao convertermos o valor do Big Mac pelos reais correspondentes, seu preço em dólares sobe. Por exemplo, considerando o mesmo preço de R$13 só que agora com um câmbio de 1,5 reais por dólar, teríamos um preço em dólares de 8,66. Ou seja, nada mudou na construção do Big Mac mas, quando o convertemos em dólares, o seu preço em dólar sobe. Conclusão: o câmbio no Brasil está mais valorizado do que nos outros países. Ou seja, duas são as causas para identificar o porquê de um país ter o preço, em dólar, mais elevado do que outro: a inflação interna ou a cotação do dólar.

De modo semelhante, quando o que se utiliza não é apenas o preço do Big Mac, mas uma cesta de bens, temos uma teoria (matemática) mais elaborada, denominada PPC (paridade do poder de compra).

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