¬ Lição de economia n°24: Dívida Externa

A hegemonia americana e a dívida externa dos países em desenvolvimento

Muitos perguntam por que a economia americana é tão forte hoje. Para responder a esta indagação precisaremos retornar uns 60 anos na história do capitalismo recente. Após a grande depressão da década de 1930, o capitalismo não encontrava uma solução para sair da crise. Para piorar a situação, em 1939 surge a II Guerra Mundial – até esse período a Inglaterra ainda era referência para o capitalismo, com a libra esterlina.

A partir dessa data, a história começa a pender para o lado americano. Finda a II Guerra, a Europa encontra-se praticamente toda destruída, isto é, seu parque industrial arrasado, e com isso, a incapacidade de suprir as necessidades básicas da população em termos de bens de consumo. O mesmo não acontecia com a economia americana. Pelo fato de não ter sido palco da guerra, tornou-se o único país desenvolvido a ter condições de suprir a demanda crescente por bens de consumo, máquinas e até alimentos da Europa e Ásia. Além desse impulso dado à sua indústria, os EUA ainda contavam com o próprio consumo interno reprimido. Ou seja, no período de guerra, os americanos não tinham disponibilidade de bens de consumo, pois tudo que se produzia estava voltado para a produção bélica. Assim, além do consumo que se potencializava nesse período ainda havia um crescimento considerável na poupança absoluta dos americanos, basicamente em função das horas extras trabalhadas e impossibilitadas de serem gastas. Têm-se assim dois estímulos muito fortes ao crescimento econômico americano a partir de 1945: a demanda externa da Europa e a demanda interna contida.

Com essa ajuda histórica, os americanos conquistam o mundo tanto economicamente, quanto militarmente. Faltava apenas o último aspecto do tripé para que a hegemonia fosse total, a monetária. Em 1945, os países vencedores reuniram-se nos EUA para acordar como ficaria organizado o mundo no pós-guerra. Obviamente, o único país com condições de fomentar o crescimento global e reerguer a economia mundial seria os EUA. Precisavam apenas do aval dos demais para retirar a moeda inglesa (libra esterlina) definitivamente do papel que ocupava até então. Neste acordo, denominado Acordo de Bretton Woods, em que foram criados também o FMI, o Banco Mundial e a, hoje, OMC (Organização Mundial do Comércio), os americanos teriam o aval para emitir dólares e inundar o mundo com sua moeda, dando maior liquidez ao sistema e permitindo a intensificação das trocas e recuperação das economias. O dólar passa a ser, formalmente, a moeda-chave do comércio internacional, a referência para as trocas entre os países.

Houve nas décadas seguintes, o que de fato era uma necessidade, uma grande expansão na quantidade de dólares na Europa, por dois motivos básicos: os EUA passam a ser os maiores consumidores mundiais, comprando bens do resto do mundo e tendo a liberdade de emitir moeda para isso, apesar dos vultosos déficits na balança comercial; o capitalismo americano se expande para o resto do globo, uma grande internacionalização das empresas americanas, estimulando também a elevação de dólares no mercado internacional.

Durante esse período ainda vigorava o padrão ouro-dólar. Isto é, os americanos só poderiam emitir moeda na proporção de ouro que tivessem guardado em caixa. Mas, previsivelmente, em função de sua necessidade de crescimento constante, impulsionada pela grande quantidade de importações, isso não seria possível, mesmo por que não seriam capazes de produzir ouro na mesma proporção do crescimento de sua economia. Esse descolamento do lastro em ouro da quantidade de dólares circulando no mundo teve sérios problemas mais tarde.

A inundação de dólares na Europa deu origem ao que se chamou de Euromercado, um grande mercado (bancos europeus) com sobras da moeda americana sendo disponibilizadas a baixas taxas de juros – lembrem que quando o M (dinheiro) se eleva, em dólares ou reais, os juros tendem a se reduzir na ponta para os clientes. Muitos países em desenvolvimento tiveram um forte crescimento nessa época, em função dos dólares tomados a baixas taxas de juros.

O problema se agravava com o crescimento do Euromercado, pois se a oferta de um bem (dólar) sobe mais que a demanda há uma tendência de seus preços recuarem. Foi exatamente isso que aconteceu ao longo da década de 1970. O dólar começa a perder força e se desvalorizar frente a outras moedas. Mais grave que isso foi o grande saque que se seguiu aos cofres do banco central americano para trocar a moeda, que perdia valor, por ouro. Sabendo que o lastro não existia, ou seja, não havia ouro suficiente guardado, e vendo o risco de exaurir suas reservas em ouro, os EUA do governo Nixon optaram, em 1971, por cancelar, unilateralmente, o padrão ouro-dólar. Ou seja, aqueles que quisessem efetuar a conversão de seus dólares não mais poderiam. O mundo possuía agora uma moeda que não valia mais ouro, era apenas um pedaço de papel verde timbrado, mas que possuía um poder extraordinário, não mais pela garantia de um metal, mas pela força econômica e militar de sua economia.

Contudo, e em função dessa decisão, a desvalorização continuava, colocando em risco sua hegemonia monetária. O crescimento do Euromercado ganhou novo impulso em 1973 e 1979, com os dois choques do petróleo. Com a elevação da cotação internacional do barril, os países árabes receberam uma grande soma de dólares que não tinham onde ser guardados. Eles foram levados à Europa e despejá-los nos grandes bancos, inflando-o ainda mais.

A solução encontrada pelos americanos para valorizar a sua moeda e recuperar a hegemonia resumiu-se em nada mais que um instrumento de política monetária. Elevaram a taxa de juro básica (prime), puxando junto a taxa inglesa (Libor), o que tornaria seus papéis (títulos públicos) mais atrativos. Seguiu-se uma grande entrada de dólares nos EUA para a compra dos papéis, o que reduziu a liquidez do Euromercado. Como a oferta de dólares diminui na Europa, a moeda americana começa a valorizar-se novamente. É exatamente aqui que nós (países em desenvolvimento) entramos na (e para a) história.

Origens da dívida externa brasileira

Como vimos acima, a dívida brasileira teve origem na década de 1970 com os empréstimos contratados no Euromercado. Nele, os dólares eram abundantes e financiados a taxas de juros baixíssimas, o que fomentou um período denominado “milagre brasileiro”, com taxa média de crescimento de 10% ao ano entre 1969 e 1973, e média de 7% nos anos seguintes. Todavia, nos contratos de concessão dos empréstimos os juros eram flutuantes. Isto é, apesar de baixos no período, qualquer elevação nos anos anteriores aumentaria a dívida. Como as chances da taxa de juros americana subir drasticamente é, e era, de fato muito pequena, o então ministro Delfim Neto não se preocupou e estimulou o crescimento. Todavia, a história seria diferente no fim da década de 1970, contrariando quaisquer expectativas.

A partir de 1979, com o aumento dos juros americanos para recuperar a hegemonia de sua economia (atraindo dólares do resto do mundo via aumento na remuneração de seus títulos, e valorizando sua moeda que estava depreciada no mercado internacional), essas taxas – Libor e Prime, até então estáveis, sobem vertiginosamente, encarecendo aquelas dívidas contraídas no início da década e comprometendo o Balanço de Pagamentos dos países menos desenvolvidos, via maior remessa de juros (conta serviços) e amortizações (conta de capital) da dívida externa. A década de 1980 já se sinalizava problemática. A dívida era de apenas US$4,3 bilhões em 1969, chegando em 1990 a US$124 bilhões.

Aliado a isso, outros fatores são relevantes. No mercado internacional, os dois choques do petróleo no mercado mundial em 1973 e 1979 elevaram os déficits comerciais de todos os países, representando maior saída de dólares e rombos crescentes no balanço de pagamentos. No caso brasileiro, um fator interno deve ser relevado: a má gestão do governo nos períodos entre os dois choques. Alguns países controlaram o consumo de combustíveis para reduzir o vazamento de dólares. No caso brasileiro, isso não foi feito, pois havia o temor que a indústria automobilística fosse prejudicada, afetando toda a cadeia produtiva. As medidas de aumento na produção de petróleo, criação do pró-álcool e elevação nos preços dos combustíveis acabaram sendo tomadas tardiamente, o que redundou, nesse intervalo, em mais endividamento externo para cobrir os déficits nas contas externas.

Como resultado da política americana e dos choques do petróleo, os encargos da dívida externa tornaram-se tão grandes para os países em desenvolvimento que o México quebrou já em 1982 (período denominado de “setembro negro”), arrastando os demais 'colegas' do 3º mundo. Em função disso, a década de 1980, ao contrário da década anterior, torna-se uma década perdida, dadas as complicações no Balanço de Pagamentos e a dificuldade de arrumar dólares para seu financiamento .


Resumo e características atuais:

 - dívida do governo federal (além de governos estaduais e municipais num volume menor), em sua menor parte, e das empresas (privadas ou públicas). A bem da verdade, é divulgado na mídia o seu valor total, somando-se setor público e privado. Entretanto, veremos abaixo que a participação do Estado neste total é a menor parte.

- toda em moeda estrangeira, geralmente dólar, mas podendo ser em iene, euro etc.

- garantia: títulos internacionais chamados de bond’s ou bônus. Em se tratando dos bônus emitidos pelo governo federal alguns ficaram famosos como o C-Bond e o Gobal 40.

- juro: geralmente baixo por ser juro internacional. Todavia é calculado com base no risco país, como veremos em outra lição.

- vencimento: geralmente com prazos bem mais alongados quando comparamos com os da dívida interna. Temos bonds a vencer em 2020, 2030, 2040 etc. Um título do governo americano, só como ilustração, pode ser negociado com prazo de até 100 anos para o vencimento.

- total aproximado hoje (2014): US$350 bilhões, sendo 30%, aproximadamente, do governo (US$105 bilhões) e o restante de empresas no Brasil (US$255 bilhões)

- reservas cambiais aproximadas: US$360 bilhões (2014). Boa parte delas não em dólar guardado, mas em títulos do governo americano, que tem liquidez imediata. Ou seja, temos US$360 'em caixa' e US$105 de dívida externa. Por isso dizem que ela está praticamente quitada. Na verdade, 'quitada'.

2 comentários:

  1. Felipe6/04/2010

    No jornal a Tribuna eu vi hoje que as reservas internacionais já estão em torno de U$ 240 bilhões, reservas internacionais é a mesma coisa que reserva cambial né?

    Em outra fonte dizia que o brasil já tinha em torno e U$ 250 bilhões, se reserva internacional é a mesma coisa que reserva cambial, já saímos da casa dos 210 bi

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  2. kantega6/04/2010

    São a mesma coisa sim felipe. A última vez que me informei sobre as reservas estavam em 210 bi ou 220bi. Como elas oscilam bastante, para mais ou para menos, só o fato de estar acima de 200 bi era o que me interessava. Mas, de fato, elas deram um salto nos útimos meses e estão em 250 bi. Virou até manchete nos jornais esses dias. Mas a questão é que no artigo não tenho como atualizar todas as informações todo mês, por isso coloquei "caracteristicas atuais (2009)". São dados, obviamente defasados em 1 ano. Só vale a pena atualizar isso ano a ano.

    abs

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