¬ Lição de economia nº18: Política cambial (Parte 3 - Das reservas cambiais e intervenções do Bacen)

ATUAÇÃO DO GOVERNO NO MERCADO DE CÂMBIO

Já concluímos que o câmbio  oscila (valoriza e desvaloriza) em função de sua maior ou menor disponibilidade no mercado de câmbio, sendo esse dominado pelos bancos. Mas, por que nos preocupamos com essas oscilações no preço do dólar? Quais efeitos negativos, ou positivos, elas podem trazer pra nós e pra economia? Antes de responder a essas perguntas quero descrever como é a atuação do governo no mercado de câmbio, o único agente do qual não falei.

Considerando então que temos efeitos positivos e negativos das valorizações cambiais (assunto da próxima lição), o que o governo pode fazer para evitar que tais oscilações sejam exageradas? São várias as formas de intervenção no mercado de câmbio, como:

.- comprar e vender dólares das reservas

- utilizar a taxa selic, política monetária, como instrumento indireto (via títulos públicos normais ou títulos cambiais)

- taxar a saída de dólares do país caso queira evitar a elevação na cotação. Também pode fazer o inverso, taxar a entrada, como fez com o IOF em outubro de 2009 (2% sobre o capital especulativo: fundos de renda fixa e bolsa de valores) para evitar que mais dólares entrassem no país e provocassem uma queda maior da moeda americana. Em outubro de 2010 Guido Mantega anunciou nova elevação no IOF, agora apenas para renda fixa, para 4%. No final de 2013 o governo também elevou o IOF, de 0,38% para 6,38% para compras no exterior feitas com cartões de crédito, compra de traveler cheques e saques em moeda estrangeira.

- atuar no mercado futuro, de derivativos

- pedir ajuda ao FMI nos momentos mais críticos

Coloquei o FMI no fim do post, que é a forma mais dramática de arrumar dólares para acalmar o mercado de câmbio. Temos portanto, uma fórmula salutar de resolver os problemas no mercado de câmbio (intervenção direta, com reservas cambiais); outra nem tanto (via taxa selic); e uma terceira (junto nesta títulos cambiais e empréstimos ao FMI) que é crítica pois sinaliza crise grave à frente. Vamos a elas.

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  • Intervenções diretas no mercado de câmbio
a) mercado à vista: Se o a desvalorização cambial for excessiva sabemos que o dólar está forte porque está faltando no mercado, ou seja, a saída de dólares é maior do que a entrada. O governo pode diretamente suprir essa falta no mercado sacando o dinheiro, dólares, que guardou nos períodos anteriores, as chamadas reservas cambiais ou reservas internacionais. Assim, se a falta de dólar forçar muito a desvalorização ele pode vender dólares de suas reservas, a um preço mais baixo, e suprir essa falta no mercado de câmbio. E não interessa a ele se vender dólares mais baratos trará prejuízo, pois o prejuízo maior pode vir com os efeitos da desvalorização sobre a economia.

De modo contrário, se o câmbio valoriza, dólar fraco, é porque há um excesso de dólares no mercado de câmbio (bancos). Para evitar uma valorização excessiva e seus efeitos negativos o governo compra os dólares que estão sobrando e os guarda nas reservas cambiais.

Essa intervenção é chamada de direta pois ele utiliza o dólar diretamente de suas reservas no mercado de câmbio, ou seja, dólar se combate com dólar. É feita por meio de leilões entre o governo e os bancos, ele oferece os preços de compra e os bancos fazem sua contra proposta. Por isso aparece no mídia, impressa ou não, que o "governo fez hoje um leilão de tantos milhões de dólares". Significa que no dia ele comprou ou vendeu dólares para conter a valorização ou desvalorização cambial.

Tdoa essa negociação é feita na forma de um leilão com os bancos em um  sistema chamado de SISBACEN (sistema de informações do Banco Central); assim como o sistema SELIC, é uma espécie de intranet. Os bancos autorizados a participar dos leilões de dólares são chamados de dealers, dentre eles: Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, HSBC, J.P. Morgan etc. (clique aqui e veja mais detalhes dos leilões de dólar)

b) mercado à vista (leilões de linha):  segue o mesmo princípio do anterior. Porém, aqui o governo vende dólares que precisam ser devolvidos em uma data futura, ou seja, o governo os recompra depois de uma data pré determinada. Isso acalma o mercado em um momento de nervosismo e, ao mesmo tempo, evita que as reservais caiam.

  • Intervenções indiretas no mercado de câmbio

a) via taxa selic: Há uma outra possibilidade, não muito incomum, de controlar o preço da moeda americana. Ele pode utilizar a política monetária para controlar valorizações e desvalorizações cambiais. Sabemos que o juro básico da economia (taxa selic), quando muito elevado, atrai o dinheiro dos bancos, ou seja, torna mais interessante para estes emprestarem seus recursos para o governo, e vice-versa. Mas só os bancos nacionais se interessam por essa regalia? Não! Os bancos estrangeiros também querem, e podem, emprestar dinheiro ao governo brasileiro. Só que, e é isso que o governo almeja, eles tem em seus caixas dólares. Assim, trazem esses dólares para o Brasil, os trocam nos nossos bancos por reais, e emprestam ao governo estes reais resultantes da troca, uma vez que essa operação de empréstimo (via taxa selic) não pode ser feita em dólares. Conclui-se que se os empréstimos dos bancos estrangeiros ao governo brasileiro se elevarem há uma entrada maior de dólares no Brasil, mercado de câmbio, ou seja, valorização cambial.

Se o mercado de câmbio está com falta de dólares, portanto, desvalorização cambial o governo pode elevar a selic, atrair bancos estrangeiros (especuladores) e inundar o mercado de câmbio com dólar. Assim, alivia a pressão sobre a moeda americana e a desvalorização do real.

O inverso também pode acontecer, isto é, em momentos de forte valorização, sobra de dólares, o governo pode reduzir a taxa selic e desestimular os especuladores que aqui estão emprestando para o governo. Como precisam voltar para seus países de origem com sua moeda (dólar) eles pegam o dinheiro que emprestaram ao governo, compram dólares e saem do país. Essa saída de dólares do mercado de câmbio ocasiona uma falta e consequentemente uma desvalorização cambial. Está resolvido o problema da sobra de dólares.

Esse mecanismo de controle do dólar é chamado de intervenção indireta pois o governo se apropria da política monetária para resolver um problema no mercado de câmbio. Não é o mais apropriado, mas funciona. O problema é que se errar na dosagem e elevar em demasia a taxa selic nos momentos de forte desvalorização cambial a coisa complica. Já vimos que selic alta resulta em alta dívida interna, e muito divida implica maior necessidade de superávit primário, o que gera, por sua vez, maior concentração de renda.

Para controlar as desvalorizações cambiais sem precisar valer-se da taxa selic, e da dívida dela derivada, passa a ser de suma importância que o governo tenha reservas cambiais suficientes para suprir a falta de dólares no mercado. Se ele não as tiver o preço acaba sendo muito caro. Trataremos em outra lição especificamente do Plano Real para ilustrar o quão caro isso custa.

O quadro abaixo mostra, em resumo, como a tal da taxa selic é uma ferramenta importantíssima pra economia, ao atuar sobre o crédito às famílias, e seu respectivo consumo, controlando o IPC-A. Além disso, indiretamente, também atua no mercado de câmbio, desvalorizando o dólar e reduzindo os custos dos importadores - no fim das contas afetando, novamente, o IPC-A.

Nova Imagem (11)

Observem agora o gráfico abaixo. Ele mostra uma clara relação entre política monetária (selic) e política cambial (dólar), sendo que o ponto de conexão, que não aparece no gráfico, é a inflação. Notamos que com a crise financeira em 2008 o dólar teve uma forte alta. Sabemos que isso tem um efeito sobre os importadores e, portanto, uma pressão de alta sobre os preços e o IPC-A. Como forma de corrigir o problema, supondo que o governo não consiga vender reservas e conter a cotação, a elevação na taxa selic, para conter o consumo,  é inevitável. Assim, subidas fortes do dólar, ao gerarem inflação, tendem a serem acompanhadas também por elevações na taxa selic. Com a queda no dólar a taxa selic também recua pois os preços desaceleram. Poderíamos afirmar também que o dólar subiu (ou recuou) em parte por causa da elevação (ou queda) no juro básico, uma vez que ele atrai especuladores e provoca sobra de dólares no mercado de câmbio. Todavia, como esse mercado é influenciado por inúmeras outras variáveis (exportações, investimentos diversos, remessa de lucros, turismo etc, como veremos em outra lição) fica difícil estimar o quanto dessa queda foi ocasionada especificamente pela elevação na taxa selic. Parece mais plausível então considerar que a queda no juro básico foi consequência, em sua maior parte, da redução na inflação a partir da queda no preço dos importados. Ou seja, a relação entre juro básico e dólar é inquestionável, principalmente por causa dos efeitos do câmbio sobre os preços na economia.


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b) via mercado futuro (swap cambial):O governo aqui opera no mercado futuro

swap cambial puro

situação: governo vendido em dólar  e comprado em juros 

Ou seja, perde com a alta do dólar e ganha com a alta do juros. Com isso o governo acalma o mercado pois os que compram esses 'títulos' tem a garantia que o governo pagará o valor do dólar no dia do vencimento. Dessa forma, não precisam comprar dólares hoje, o que acalma o mercado no momento de alta do dólar. Exemplo: importadores, com medo da alta do dólar, compram dólares antecipadamente, elevando ainda mais o preço da moeda americana. O governo, ao fazer esses contratos de swap garante aos importadores que paga a diferença, em reais, entre o dólar de hoje e o dólar do dia específico lá na frente. Isso acalma os importadores e evita que o dólar seja forçado pra cima hoje. Todavia, se o dólar cair o governo recebe esse dinheiro do mercado (dos importadores, no nosso exemplo) e obtém lucro na operação.

swap cambial reverso

situação: governo comprado em dólar e vendido em juros

Ou seja, o governo ganha com a alta do dólar e perde com a baixa dos juros. Como perde com a baixa do dólar, ao fazer essa operação o governo tende a acalmar o mercado, uma vez que paga a diferença do preço do dólar caso ele caia. Isso tende a conter a queda da moeda americana. Exemplo: exportadores que estejam com medo da queda do dólar, pois obterão menos reais por dólar, vendem antecipadamente os seus dólares, o que causa uma queda ainda maior dele. Ao fazer esse contrato de swap cambial reverso com os exportadores o governo garante que se o dólar cair ele paga a eles, em reais, a diferença. Isso evita que os exportadores vendam apressadamente os dólares, já que o governo garante o preço de hoje. Logo, o dólar para de cair. Todavia, se o dólar subir o governo obtém lucro da operação e recebe dinheiro do mercado (dos exportadores, no nosso exemplo)

OBSERVAÇÃO: todo o prejuízo que o governo tem nos swaps é lançado na conta 'juro da dívida interna' e entra piorando o resultado nominal. Da mesma forma, as receitas obtidas com essa operação diminuem o déficit nominal. veja reportagem do Estadão de abril de 2016
 
  • Vendendo a alma ao capeta

Alguém pode ter se perguntado: e se os especuladores não se interessarem pelas altas taxas de juros, até porque isso é um sinal de que a coisa não vai bem e o governo pode até dar um calote? Há ainda o que fazer? Sim! Há! Vender a alma! E como isso é feito na política cambial? Na ausência das reservas e frente a ineficácia das elevações na taxa básica de juros temos ainda duas formas de alimentar o mercado de câmbio com dólares, nenhuma delas saudável:

a) lançar (vender) títulos cambiais: são papéis, títulos, que o governo vende e que farão parte da dívida pública interna. Mas eles não pagam a taxa selic quando vencem, como no caso acima. Imaginemos que o dólar não para de subir e que as reservas não existam mais, bem como a taxa selic não consegue mais atrair especuladores. Essa pressão sobre o dólar vem dos agentes internos especulando com o câmbio ou com importadores e investidores antecipando suas compras de dólares. O governo, como uma mãe, cega, pode lançar um título garantindo ao comprador de dólar que, se ele comprar o título e não os dólares, o governo paga a ele o valor do dólar no vencimento. Exemplo, um importador precisará comprar dólares mês que vem. Todavia, o dólar está subindo muito e ele prefere antecipar a compra pra não ter que adquirir a moeda americana a um valor mais alto e ver seus custos elevados. Assim como ele todos pensam o mesmo, antecipar a compra, mas se isso acontece o efeito sobre o dólar passa a ser devastador, a desvalorização foge ao controle. O governo vende a ele um título, por exemplo, dizendo que 1 dólar equivale a 1 real. Se, no mês seguinte o dólar estiver a 2 reais o governo dá a esse importador o 1 real de diferença. Assim, o governo cria uma dívida (interna) ao garantir essa desvalorização do dólar - com isso, em tese, alivia a compra por dólares, já que dará garantia em reais de que o comprador não perderá caso o dólar suba. Porém, cada dólar a mais que o governo paga ao importador, valor pago em reais, sai do bolso de alguém - recordam-se do superávit primário ou fiscal?!

b) acionar o agiota: se nem isso funcionar, e verão que no Plano Real nada funcionou, a última cartada é pedir dólares emprestados ao grande agiota internacional, o FMI. A conta a ser paga pode ser amarga, não pelos juros cobrados, mas pela ingerência que ele passa a fazer na economia após contrairmos a dívida.

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RESERVAS CAMBIAIS E CRISES ECONÔMICAS

As reservas são um grande “balaio de gato”, compostas de ouro, dólares, euros, ienes, além de títulos do governo americano, que contam como dólares pela sua alta liquidez. Ou seja, não há um cofrinho efetivamente contento os mais de 230 bilhões de dólares das reservas brasileiras. Eles estão em parte guardados em cofres, mas num maior quinhão espalhados pelo mundo na forma de investimentos, principalmente emprestados ao governo americano. Sim, por incrível que possa parecer, somos hoje grandes credores dos EUA. Ah, emprestamos também para o FMI, aquele mesmo órgão verdugo que nos sovava toda vez nos emprestava dólares na década anterior.

Quando falamos de intervenções diretas (via reservas cambiais) ou indiretas (taxa selic) - e prefiro não pensar na terceira alternativa - tratamos de medidas corretivas de curto prazo caso um crise agrave a saída de dólares do país. No longo prazo o governo pode atrair dólares de forma mais consistente e saudável, estimulando as exportações, os investimentos produtivos do exterior etc. As reservas cambiais servem, portanto, apenas como um colchão para amortecer os impactos de curtos prazo que possam surgir e salvar a economia de seus efeitos negativos. Quanto maior o colchão, maior o amortecedor dos impactos. Ou seja, se o colchão for bom o sono é tranquilo. 

3 comentários:

  1. Srs,

    Qual o impacto da valorização no saldo da Balança de Pagamentos?

    Eliel

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  2. kantega10/13/2009

    Olá Eliel, os inestidores externos não parecem estar muito preocupados com a valorização - apesar de seus dólares serem trocados por menos reais, o que seria um relativo prejuízo. Parece que as expectativas futuras de retorno de seus investimentos, sejam eles na forma de investimento direto ou especulativo supera isso. A desvalorização constante do dólar no mercado de câmbio mostra bem isso. Um saldo menor na balança comercial é bem provável com o dólar nesse nível. No entanto, a conta de capital parece estar suprindo, e bem, essa diminuição no saldo comercial. Acho que no curto e médio prazo essa é a tendência. Arriscaria até a dizer que no longo também, já que se nem a crise foi capaz de manter o dólar alto não vejo outra situação que torne isso possível. Até o governo está meio atordoado com tamanha entrada de divisas.

    Espero que tenha ajudado.

    abs

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  3. [...] Quando falamos de intervenções diretas (via reservas cambiais) ou indiretas (taxa selic) – e prefiro não pensar na terceira alternativa – tratamos de medidas corretivas de curto prazo caso um crise agrave a saída de dólares do país. No longo prazo o governo pode atrair dólares de forma mais consistente e saudável, estimulando as exportações, os investimentos produtivos do exterior etc. As reservas cambiais servem, portanto, apenas como um colchão para amortecer os impactos de curtos prazo que possam surgir e salvar a economia de seus efeitos negativos. Quanto maior o colchão, maior o amortecedor dos impactos. Ou seja, se o colchão for bom o sono é tranquilo.   http://kantega.wordpress.com/2009/09/29/%C2%AC-licao-n%C2%BA18-politica-cambial-parte-3-das-reservas...  [...]

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