¬ Lição de economia nº9: A Política fiscal (Parte 2 – Superávit primário e déficit operacional)


Fechamos o artigo anterior concluindo que a política fiscal pode nem sempre ser utilizada para suas finalidades básicas. E basta analisarmos a situação do Brasil nos últimos anos para que nos indaguemos o porquê de tal política fiscal restritiva. Restritiva porque desde o Plano Real (1994) o governo, insistentemente, tem elevado a carga tributária (sempre) e controlado os gastos públicos (umas vezes mais outras menos, dependendo do período). Como estes são os dois instrumentos de política fiscal vimos que isso gera um efeito de desaquecimento, ou desaceleração (cresce menos em um mês quando comparado ao mês anterior), no PIB.

Se a inflação estiver em alta tal política se justifica, mas o que dizer se a inflação, IPC-A, estiver sob controle? Haveria sentido uma política fiscal restritiva que diminua o crescimento já que a inflação não é um problema? O que justificaria essa política, historicamente, restritiva (ou contracionista), no caso brasileiro?

Se o governo não olha para a ponta do nosso esquema, PIB e inflação, é sinal que está focado em outro ponto. E se pensarmos bem, toda vez que ele eleva impostos e enxuga os gastos obtém uma sobra de reais em seu caixa. Dinheiro vivo, que em economia é chamado de superávit (sobra) fiscal, pois é fruto da política fiscal. Achamos, então, uma “desculpa” pra essa política fiscal contracionista, também chamada de "arrocho fiscal". Ela desaquece a economia, inibindo o crescimento e o nível de emprego, mas gera caixa pro governo, o tal do superávit fiscal.

Não deixa de ser uma boa justificativa, mas por que tanto dinheiro em caixa? O que é feito com ele? Corrupção?! Não! E já falei que esse não é o problema. A necessidade, desesperada, de obter essa sobra é para resolver outro problema, o pagamento da dívida interna, uma dívida feita no passado, a juros altos,  cujas prestações vencem todo mês.  Trataremos detalhadamente dessa dívida interna mais à frente. Por hora a consideremos como uma dívida do governo com os bancos (Itaú, Bradesco, Caixa, Unibanco, Santander, etc etc etc).

* Faço uma pausa para uma observação importante: O FATO DE O PIB ESTAR DESAQUECIDO (DESACELERADO), OU EM QUEDA (NEGATIVO), NÃO IMPLICA UMA POLÍTICA FISCAL RESTRITIVA. OUTRAS POLÍTICAS EXISTEM E PODEM ESTAR CONTRIBUINDO PRA ESSA DESACELERAÇÃO. O que podemos afirmar é que uma política fiscal restritiva tente a desaquecer a economia. Mas imaginemos que a outra política, monetária, esteja favorável, ou seja, ajude a economia a crescer. Se olharmos apenas para o avanço do PIB concluiremos que a política fiscal não é restritiva. No entanto, isso pode ser enganoso. Digamos que a economia poderia crescer mais se a fiscal não fosse restritiva. Vale a pena olhar o comportamento dos instrumentos (impostos e gastos públicos) para tirar uma conclusão, e não só para o PIB ou inflação no período.

Voltando à divida do governo com os bancos, vemos que o governo faz suas contas no fim do mês da mesma forma que fazemos a nossa, ou seja, somamos todas as nossas fontes de renda, ou salários (no caso do governo, impostos) e depois abatemos todos os nossos gastos mensais (que ele chama de gastos públicos). Essa sobra servirá, ou não, para pagar os juros do empréstimo que fizemos no banco ou no cheque especial (ele o chama de juros da dívida interna). A diferença entre o que fazemos e o que o governo faz se dá apenas nos nomes que surgem a medida em que os abatimentos são feitos. Vejamos:


a) primeira etapa: RESULTADO PRIMÁRIO OU FISCAL = receitas de impostos – gastos públicos

  •  se, receita de impostos > gasto público = sobra de caixa = superávit fiscal ou primário

  •   se, receita  de impostos < gasto público = falta de caixa = déficit fiscal ou primário

b) segunda etapa: RESULTADO OPERACIONAL OU NOMINAL = receitas de impostos – gastos públicos – juros da dívida interna

Ou seja, no resultado nominal, abatemos do superávit/déficit primário os juros da dívida interna.

  •  se, receita de impostos > gasto público + juros da dívida interna = sobra de caixa = superávit operacional ou nominal

  •  se, receita de impostos < gasto público + juros da dívida interna = falta de caixa = déficit operacional ou nominal


Podemos escrever o resultado nominal ainda:

  •  se, receita de impostos – gasto público – juros da dívida interna > 0 = sobra de caixa = superávit operacional ou nominal

  •  se, receita de impostos – gasto público – juros da dívida interna < 0 = falta de caixa = déficit operacional ou nominal


Concluímos então que como resultado da política fiscal restritiva temos um resultado primário positivo, uma sobra de caixa, denominado superávit primário ou fiscal. Também concluímos que essa sobra é utilizada para pagar os juros da dívida interna. Será essa sobra suficiente, ou o juro da dívida interna é maior?

E é aí que a coisa complica. O superávit primário, dinheiro que sai do nosso bolso, apesar de muito grande, não serve sequer para pagar os juros da dívida interna. E não estou falando do principal da dívida com os bancos, mas apenas os juros. É como se pagássemos sempre o mínimo da fatura do cartão de crédito mês a mês e a dívida fosse sempre crescendo.

Alguns valores médios mensais pra termos uma noção do tamanho do problema:

  • Superávit primário = +4 bilhões de reais (eu disse bilhões, e não milhões)

  • Juros da dívida interna =  - 9 bilhões de reais (também bilhões)

  • Resultado nominal (déficit nominal) = +4 – 9 = – 5 bilhões de reais mensais, aproximadamente


Conclusão: além de não termos superávit primário suficiente para pagarmos o saldo devedor, que já passa da casa do trilhão de reais, ele não serve sequer para abater os juros mensais de 9 bilhões dessa dívida. O que fazer com os 5 bilhões que faltam? Negociar com os bancos, empurrar pra frente, é a tal da rolagem da dívida.


Nota: o raciocínio acima dá a entender que as receitas, despesas e juros são só do governo federal. No entanto, o resultado primário vem divulgado em jornais mais especializados como  resultado primário do setor público consolidado que envolve o governo federal, os Estados, os municípios e as empresas estatais. Assim, cada um tem suas receitas, despesas e juros de suas dívidas. Acabamos dando mais ênfase  ao superávit do governo federal, bem como da sua dívida, não só por ser o seu montante o mais representativo, mas por questões de política macroeconômica, que é o que nos interessa.


Trocando em miúdos: o governo passa o cartão e nós pagamos a fatura. Triste? Muito! Esses dados, reais, servem pra mostrar que a finalidade básica da política fiscal nem sempre é cumprida, qual seja, controlar PIB e inflação. O foco aqui é, prioritariamente, arrecadar dinheiro (nosso dinheiro) para pagar uma dívida contraída por ele no passado. O porquê de essa dívida ter crescido tanto veremos bem mais à frente.

Os dados sobre o tamanho do juro da dívida pago mensalmente também nos mostram que a discussão em torno do problema, em tese, maior, a corrupção, perde um pouco o sentido. Todavia, sobre isso falaremos no próximo post. Antes, porém, vale a observação de uma professora da USP (abril de 2015):

“Quando você só fala no resultado nominal, você está escondendo coisas. Isto impede a comparação entre os gastos com juros e os gastos previdenciários ou destinados a programas como o FIES e o Bolsa-Família, por exemplo. Gasta-se com juros pelo menos 20 vezes mais que com o Bolsa-Família. Esse tipo de comparação fica escondida do debate, e as pessoas não têm a menor ideia do que ocorre. Essa conta feita dessa forma barata fala muito ao senso comum e contribui para o sucesso do discurso do ajuste”, dispara Leda Paulani, economista da USP e ex-secretária de Planejamento do governo Haddad.

O destaque midiático que se dá ao superávit primário deliberadamente ignora o resultado nominal das contas públicas, aquele que incorpora as despesas com a rolagem da dívida pública, isto é, o pagamento de juros. Falar em resultado primário, que é definido como o saldo atingido pelas contas públicas sem cômputo dos gastos com juros, presta-se a uma tarefa política de obscurecer o quanto do orçamento público é destinado aos últimos, e portanto à valorização patrimonial da riqueza privada.

Conforme esclarece a professora, quando o resultado primário do governo, que trata-se de verba destinada ao custeio de serviços públicos como saúde, educação e cultura, ao financiamento de programas sociais como o Bolsa-Família e o FIES, e com investimentos em infra-estrutura, é deficitário, há uma "crise” de "irresponsabilidade” fiscal - conduta considerada criminosa pela Lei 10.028/2000. Mas a promoção perene do déficit nominal, quando incorporados os juros nominais, é convenientemente ignorada pela não veiculação desse número"
. Ver texto completo aqui.


2 comentários:

  1. Mauricio8/26/2012

    Esse link é do g1, ele tem uns dados mais atuais da dívida do governo.

    http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2012/01/divida-publica-brasileira-aumenta-r-170-bilhoes-em-2012.html

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  2. Tarcísio8/26/2012

    Grato Maurício, eu realmente não tenho como atualizar todas as informações que lanço no blog. Valeu pela ajuda. abraços

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