¬ Lição de economia nº13: Política monetária (Parte 3 - laranjas, dinheiro e spread bancário)

Para entendermos o sistema bancário façamos o seguinte raciocínio. Imaginemos um atravessador, comerciante, aquele que compra um produto para revender. Toda mercadoria, seja ela dinheiro ou não, tem seu preço determinado por 3 variáveis.

A primeira delas é o custo de compra que esse comerciante terá do produtor que o forneceu a mercadoria. Quanto maior esse custo maior o preço de venda do comerciante. Em se tratando de dinheiro, nós somos o produtor, o fornecedor do dinheiro, e o preço que vendemos essa mercadoria para os bancos tem, como base, a inflação. Ou o banco me paga, ao menos a inflação do período, ou não tem negócio, deixo minhas economias debaixo do colchão.

A segunda variável que afeta o preço de venda é a estrutura da empresa do comerciante: custos operacionais (funcionários, gastos diversos etc), impostos, perdas e margem de lucro. Ou seja, quando um comerciante, feirante, compra laranjas pra revender ele as adquire do produtor por um preço, por exemplo, $4 reais a dúzia e, em seguida, as revende por $8 reais. Esses $4 reais a mais por cada dúzia servem para pagar seus custos mensais - nesse sentido, uma greve dos bancários, por exemplo, ao conseguirem reajuste em seus salários, tende a forçar para cima os custos do banco e encarecer o crédito que pagamos; perdas (pois algumas laranjas estragam no manuseio); taxa da prefeitura etc; além de garantir um percentual de lucro.

A terceira é a maior ou menor disponibilidade do produto na banca da feira. Logo, quanto menos produto disponível maior o preço da laranja, e vice-versa. Assim, para agradar aos seus clientes o comerciante terá que comprar mais caro a mercadoria e repassar essa elevação no custo. Voltando ao caso dos bancos, eles não compram mais caro porque a inflação subiu, mas porque a quantidade de mercadorias disponíveis por nós (produtores) para venda é menor - na verdade, um choque de oferta.

Sabemos, então, que o preço de $8 reais que nós consumidores pagamos pode subir. Primeiro, porque os fornecedores elevaram os preços, encarecendo o custo de compra do comerciante. Segundo, porque os custos do próprio comerciante se elevaram (com estrutura do negócio, perdas, impostos e margem de lucro). Terceiro, porque se um grande comprador levou, comprou, boa parte das laranjas antes do comerciante, o que o força a pagar mais cara para achar laranjas e repassar isso aos seus clientes, é tal da lei da oferta e da demanda.

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O spread bancário

Mas, e o que acontece com a mercadoria dinheiro vendida pelos bancos? Exatamente a mesma coisa. O fato de ser um atravessador implica que ele deve primeiro comprar mercadoria de seus fornecedores, que somos nós, os poupadores. Portanto, nós, como os fornecedores de dinheiro (e não laranjas), também cobramos um preço por vender (emprestar) nosso dinheiro aos bancos, juros.

Consideremos, por enquanto, os poupadores da caderneta de poupança. O que exigimos dos bancos para deixar o dinheiro com eles e não debaixo do colchão? Exigimos que nos paguem, no mínimo, a inflação do período, pois ao deixarmos o dinheiro parado na mão deles ele será corroído ao longo do ano pela elevação nos preços. Essa reposição da inflação é, mais ou menos, o juro da poupança. Portanto, nada mais justo.

Pois bem, o comerciante da feira paga $4 na dúzia de laranja e a revende por $8. Os bancos pagam 1% ao mês no dinheiro que compram da gente e o repassam (emprestam) por 3% ao mês, por exemplo, como mostra a figura abaixo. Esses 2% de diferença, na verdade 2p.p (pontos percentuais), são comumente chamados de spread bancário e servem, assim como ao feirante, para pagar custos operacionais, impostos cobrados pelo governo, o risco (inadimplência) e, também, seu lucro.

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Esse spread é calculado pelo governo, e divulgado, ao ano. Ou seja, um banco pega dinheiro emprestado e paga 10% no ano e empresta esse dinheiro a 30%. Essa diferença de 20 pontos percentuais (que  não é o mesmo que 20%) é o spread anual. O triste, e injustificável, é que não bastasse termos um dos juros básicos mais elevados do mundo, que encarece muito o crédito, temos também o spread bancário mais elevado do mundo, como vemos na matéria da Folha de S.P de 10/09/2009, intitulada 'Spread' no Brasil só perde para Zimbábue, diz estudo":

"O 'spread' (a diferença entre o que as instituições pagam para captar recursos e o que cobram dos clientes) aplicado pelos bancos no Brasil é o segundo maior do mundo, ficando apenas atrás do Zimbábue, apesar de a taxa de inadimplência no país não estar nem entre as dez maiores do planeta.

Segundo levantamento do Fórum Econômico Mundial com base em dados do ano passado, o "spread" dos bancos brasileiros ficou em 35,6 pontos percentuais, maior do que a média das instituições financeiras de 127 países. Somente o Zimbábue, cuja economia vive situação caótica e onde a inflação chegou na casa dos 231 milhões por cento em julho do ano passado, a diferença entre os juros captados e os cobrados foi maior: 457,5 pontos percentuais (...) 'Spreads' altos significam custos maiores para empresas e consumidores pegarem empréstimos.

Ao mesmo tempo, a inadimplência no Brasil, que é uma das explicações usadas pelos bancos para justificar os juros altos, era a 16ª mais alta do mundo, de acordo com dados do FMI referentes ao quarto trimestre de 2008 - quando a crise global estava em um dos seus momentos mais agudos. Os números do Fundo mostram ainda que a taxa de inadimplência no país vem caindo nos últimos anos".

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Selic e taxas de juros

Observem no gráfico abaixo como as elevações, ou quedas, na taxa selic tem um relação direta com os juros que pagamos na ponta. Ou seja, falamos aqui daquela 3ª causa da elevação no custo do dinheiro, a falta dele no mercado, ocasionada pela alta na taxa selic.

selic e juro o consumidor


.Resumindo: o juro dos empréstimos que tomamos pode crescer por 3 motivos:

  • Primeiro: porque spread bancário subiu (inadimplência, margem de lucro, impostos ou custos operacionais), e isso será repassado ao preço do dinheiro, que pode ir além dos 3%. Observem que valor de compra do fornecedor, poupador, continua o mesmo, 1% - na lição seguinte veremos que há um outro tipo de poupador (via CDB);

  • Pela elevação no custo da aquisição do dinheiro. Neste caso, como vimos no início do artigo, podemos partir de 2 motivos: i) elevações na inflação, que devem ser repassadas ao poupador (segundo motivo); ii) a elevação no custo da aquisição do dinheiro, neste caso não pela inflação maior, mas pela pouca  disponibilidade de dinheiro. Vimos na lição nº11 sobre política monetária que isso acontece porque o governo eleva a taxa selic e compra, pega emprestado, boa parte do dinheiro dos bancos. Essa escassez de dinheiro, que foi tomado pelo governo, força os bancos a elevarem o juro pago aos clientes (poupadores) para que estes deixem de emprestar ao governo e emprestem aos bancos.  Agora os bancos tem dinheiro na mão para emprestar aos seus outros clientes, empresas e famílias, porém, com um custo adicional (terceiro motivo).

As 3 causas acima são, portanto, independentes.

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Aprofundando o raciocínio

Suponhamos o mesmo spread bancário de 2p.p (1% pago ao poupador e 3%  cobrado do tomador). Se os bancos precisarem de mais dinheiro, caso haja pouca disponibilidade dele no mercado, oferecerão um rendimento melhor aos poupadores, por exemplo, 3% ao mês. Neste caso, mantido o spread em 2p.p, cobrariam 5% dos tomadores (3% + 2% = 5%). Os 2% (2 p.p.) a mais pagos ao poupador serão repassados aos clientes. Notamos que não houve variação nenhuma no spread bancário no período. Os bancos apenas compraram dinheiro mais caro pois havia pouco dele no mercado, e repassaram o custo de compra para os preços finais (juros) - esse é o efeito da política monetária sobre os juros. Os bancos precisam pagar mais caro pelo dinheiro, do contrário todos emprestam ao governo. Paga mais caro e repassa mais caro aos clientes, porém com o mesmo spread - esse raciocínio também serviria para uma elevação na inflação, como vimos acima.

Portanto, quando dissemos na lição anterior que pagamos juros muito altos em função do risco que representamos para os bancos isso só tende a ser verdade no caso de créditos realmente arriscados, como cheque especial e cartão de crédito, onde não há nenhuma garantia (avalista, bens, salários etc). Nestes casos, o componente risco parece predominar sobre os outros 3 elementos do spread bancário (lucro, custos operacionais e tributos) e sobre o custo de aquisição (inflação e disponibilidade de dinheiro). Na maioria dos outros empréstimos os juros que nos são cobrados dependem não tanto do risco, mas destes elementos citados.

Há ainda uma possibilidade de o preço final cobrado, juro, não ser o mesmo para todos, uma pequena oscilação é possível. Nas mesmas condições de recursos disponíveis e spread bancário constante, a única variável sensível é uma parte do spread bancário, especificamente o risco,  que é dado pelo perfil do cliente, pessoa física ou jurídica. Nestes casos teremos, individualmente, um juro um pouco acima ou abaixo de acordo com o histórico do cliente.

No Brasil, o que se questiona é que nossos bancos tem um spread mais de 10 vezes superior ao dos países ricos (dados da Folha de S.P, 01/02/2009). Boa parte disso em função de sua alta margem de lucro.

O problema não se restringe só ao spread como mostra a reportagem da Folha. Já comentamos que o fato de termos um dos juros básicos (selic) mais elevados do mundo encarece o crédito pois o governo toma grande parte dos recursos deixando uma quantidade menor para pessoas físicas e empresas.

Só para relembrar: Essa atuação do governo sobre a disponibilidade de recursos, elevando (ou reduzindo) a selic, gera pra ele uma dívida, provoca déficit operacional e o obriga a utilizar a política fiscal para obter superávit fiscal (primário).

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