¬ Lição de economia nº7: Pra cada doença o seu remédio (a inflação e as Políticas Macroeconômicas)

Já vimos que a inflação pode vir de várias fontes. Mas, de quais ferramentas dispõe o governo para controla-la? Ou seja, quando a questão é gerenciar a relação PIB e inflação, o nosso velho problema, o governo possui 3 instrumentos, ferramentas. Essas políticas são chamadas de políticas macroeconômicas, são elas: fiscal, monetária e cambial. Todas tem o mesmo objetivo, atuando por caminhos diferentes, de fazer o PIB crescer o máximo possível, com o mínimo de inflação.

As duas primeiras (fiscal e monetária), para atingir esses objetivos, trabalham especificamente com o controle do consumo das famílias; e já vimos que isso é importante, pois o consumo representa 60% do PIB. A última, cambial, tem por objetivo controlar o dólar, pois ele tem também tem efeito sobre o PIB e a inflação (por ora, lembrem que ele afeta a inflação de custos e eleva o IPA).

Mas, antes de detalharmos cada uma das 3 políticas citadas acima, voltemos aos tipos de inflação rapidamente, pois cada um deles precisa de um remédio diferente. Ou seja, sabemos que todas as fontes de inflação afetam o IPC-A, elevam a febre, mas como combatê-las? Precisamos descobrir a origem do problema corretamente, do contrário apenas antitérmicos mascaram a febre e não combatem a fonte principal da doença.

1 – inflação de consumo: combatida com política monetária e fiscal, como veremos nas lições seguintes. Já que o consumo das famílias representa a maior parte do PIB, é normal que a maior parte das políticas macroeconômicas (fiscal e monetária) centre o foco no seu controle.

2 – choque de oferta: como o problema é falta de produtos no mercado interno, o governo pode diminuir as alíquotas de importação, favorecendo a entrada de produtos estrangeiros (soja, café, milho, trigo etc). Assim, se há consumo de  mais, para evitar a produção de menos, a solução é importar. Os americanos fazem isso diariamente. Como a produção interna não dá conta do consumo exagerado o governo controla um pouco o consumo mas também importa muito para suprir a falta de oferta interna (vimos esse padrão de consumo americano com fortes importações quando tratamos do PIB).

3 – de lucro: a alternativa é um controle direto dos monopólios, e oligopólios, por meio das agências reguladoras (Aneel, Anatel, ANS etc), ou outros órgãos reguladores como o Cade, como citamos no exemplo da venda da Garoto.

4 – de custos: como já detalhado, a principal causa da inflação de custos é a elevação no dólar, encarecendo produtos e matérias primas importadas. Neste caso temos, especificamente, a política cambial. Controlando o dólar alivia-se a pressão sobre os custos e com isso a alta no IPA e o consequente repasse ao IPC-A.

5 – inercial: como a causa da inércia é a indexação generalizada na economia, o único remédio aqui é a desindexação, como foi feito em 1994 na criação do Plano Real.

  • POLÍTICAS MICRO E POLÍTICAS MACROECONÔMICAS DE COMBATE À INFLAÇÃO

De acordo com o que colocamos acima, não nos cabe ficar analisando as regras e a conduta das Agências Reguladoras, é uma política muito específica e até microeconômica, ou seja, o governo atua em setores específicos quando a inflação de lucro aparece. Também já desindexamos a economia na década de 1990 com o Plano Real.

Já no caso de choque de oferta as políticas são específicas e também microeconômicas, pois a desoneração da importação vai depender do(s) produto(s) específico(s) que estiver(em) em falta no mercado interno. Se faltar milho importamos milho, se o problema for com o trigo importamos trigo. Mas se o problema for com o excesso de exportações de aço, por exemplo, podemos taxar a saída do nosso aço.

Portanto, em 2 casos acima (lucro e choque de oferta) as políticas são setoriais, logo, microeconômicas. No caso da inercial, a política macroeconômica é bem direta: desindexar a economia. Restam, então, 2 políticas macro a serem estudadas.

As duas outras fontes de inflação serão combatidas com políticas macroeconômicas. Se a inflação for de consumo o governo atua com política fiscal e política monetária; se for de custos fará uso da política cambial. Nosso estudo, daqui pra frente, se concentrará nestas 3 políticas macroeconômicas, que atuam, especificamente, sobre a inflação de consumo e de custos.

  • REMÉDIO ERRADO FICA MAIS AMARGO

Antes de estudarmos as políticas macroeconômicas, contudo, nos perguntamos: e se o controle do lucro dos monopólios não funcionar? E se não houver produtos disponíveis em outros países para importarmos e conter o choque de oferta? Isto é, se as políticas setoriais (microeconômicas) não surtirem efeito e a inflação fugir ao controle? As políticas macroeconômicas funcionariam?

Imaginemos que isso aconteça com a inflação de lucro. Se as agências reguladoras não fizerem o seu papel? Já vimos que 30% da nossa lista de preços seria afetada, exatamente os preços administrados. O que fazer, então, para evitar que isso não ultrapasse a meta de 4,5% estabelecida pelo governo, já que as 3 políticas macroeconômicas não foram criadas, em tese, para resolver essas fontes específicas de inflação (lucro)? Vale o velho ditado: “A corda sempre arrebenta do lado mais fraco!”, neste caso, o consumidor.

Como as políticas macro são utilizadas para inflação de consumo e de custos, não funcionariam nessa situação, EM TESE, uma vez que as causas da elevação nos preços são os lucros dos monopólios. Todavia, apesar de o nosso consumo exagerado não ser o culpado, o governo dá um jeitinho de resolver o problema, a alta no IPC-A. Ele arrocha, inibe, os nossos gastos por meio das políticas fiscal e monetária. E qual o efeito disso sobre a lista de preços do IPC-A? Arrochar o consumo não teria efeito sobre esses preços administrados, já que preciso desses itens e não tenho como trocá-los. Isto é, ao cortar meu consumo, elevando os juros nos bancos ou diretamente os impostos, eu não abro mão da energia, telefonia, água e esgoto, mas deixo, inevitavelmente, de comprar comida, roupas, bens de consumo etc. Ou seja, diminuo a compra dos outros 70% da minha lista de bens (IPC-A). Nesse caso, como a inflação de lucro afetou 30% da minha lista, o governo compensa diminuindo meu consumo na outra parte que compro do varejista. 

Assim, o governo, que supomos não tenha conseguido controlar os monopólios, toma uma medida drástica, corta o crédito ou tira o dinheiro do nosso bolso inibindo o nosso consumo. Ele consegue, assim, em parte, aliviar a pressão sobre o IPC-A, já que os varejistas elevam menos seus preços uma vez que suas vendas caíram.

Resumo da ópera: sem dinheiro, ou crédito, não compramos. E, se não compramos, os varejistas não vendem; se não vendem não elevam seus preços. É como se o governo tirasse os clientes (famílias) das portas das lojas, supermercados etc. Ou seja, o governo não resolve o problema na origem (monopólios), os 30% da lista, mas nos outros 70% que as famílias compram dos varejistas. É um paliativo.

Mas e o que dizer do pobre coitado do varejista, que comprou mais caro do atacadista, mas não consegue repassar seu aumento nos custos? “Problema dele!”, diria o governo. Que briguem entre si, atacadistas e varejistas, para ver quem perde menos.

Então, se tudo der errado, e a inflação de choque de oferta ou de lucro contaminar o IPC-A, o governo pode utilizar as políticas fiscal e monetária para amenizar o problema. Resolver impossível, já que elas foram criadas para combater inflação de consumo e de custos. Assim, nós pagamos o preço, já que reduzimos nossas compras. As empresas, não os monopólios, também pagam um preço pois tem seus custos elevados e não conseguem repassá-los, o que comprime suas margens de lucro. O efeito não é completo, pois é como se utilizássemos o remédio errado pra uma doença. Um sujeito com fratura exposta (inflação de lucro) precisa de uma incisão cirúrgica (controle via agências reguladoras). Um analgésico (juros altos via política monetária) é apenas um paliativo de curtíssimo prazo, e não pode ser prolongado, até que a causa seja efetivamente resolvida, pois camufla o verdadeiro problema do paciente e ele acaba piorando. E os governos no Brasil parecem ser “especialistas” nisso, administrar o remédio errado. E quando acertam ele vem em dose cavalar.


RESUMO: AS POLÍTICAS QUE COMBATEM O CONSUMO (MACROECONÔMICAS) TAMBÉM TEM UM EFEITO CONSIDERÁVEL SOBRE O IPC-A, UMA VEZ QUE DIMINUEM O REPASSE DOS VAREJISTAS AO CONSUMIDOR FINAL. ISSO ACONTECE MESMO QUE A CAUSA DA SUA ELEVAÇÃO NÃO SEJA O CONSUMO, MAS LUCRO, CHOQUE DE OFERTA E CUSTOS. NO ENTANTO, O EFEITOS DAS POLITICAS MACROECONÔMICAS SÓ SE EFETIVAM NOS 70% DE PREÇOS LIVRES, JÁ QUE OS PRODUTOS E SERVIÇOS QUE COMPÕEM OS PREÇOS ADMINISTRADOS PAGAMOS COM CRÉDITO OU NÃO, PORQUE SÃO ESSENCIAIS (ÁGUA, LUZ, TELEFONE, PLANO DE SAÚDE ETC ETC).

LOGO, QUANDO O GOVERNO REDUZ CRÉDITO, OU ELEVA IMPOSTOS, NÓS COMPRAMOS MENOS PRODUTOS, AQUELES QUE FAZEM PARTE DOS PREÇOS LIVRES (FEIJÃO, ARROZ, CAFÉ, CARNE, CARROS, ROUPAS ETC). ESSA MENOR COMPRA IMPLICA DESACELERAÇÃO OU QUEDA NESTES ITENS (70%), O QUE TENDE A DESACELERAR O IPC-A. OU SEJA, O REMÉDIO MAIS APROPRIADO SERIA COMBATER A INFLAÇÃO DE CUSTOS, DE LUCRO OU CHOQUE DE OFERTA. TODAVIA, SE NÃO FOR POSSÍVEL ATACO MESMO O CONSUMO E MINIMIZO OS EFEITOS DE ALTA NA INFLAÇÃO OFICIAL, POR MAIS QUE SEJA UM PALIATIVO.


7 comentários:

  1. Uma coisa que não entendi, Tarcísio, é a seguinte:

    Temos uma inflação de lucro ocorrendo, e portanto, o seguinte sintomas:

    1) Os preços dos produtos administrados aumentam, devido ao aumento da margem de lucro pelos monopólios.

    E como consequencia temos:

    2) Uma parcela maior do dinheiro do cidadão será destinada à pagar o aumento dos preços administrados, pois eles são essênciais, sobrando portanto, menos dinheiro para os produtos de preços livres.

    Uma política monetária de aumento dos juros não agravaria o problema, ao invés de amenizar? O poder aquisitivo destinado aos produtos de preços livres já foi reduzido devido ao aumento dos administrados, pra que então diminuir mais ainda, elevando o dos preços livres?

    Agradeço desde já por essas incríveis lições de economia.

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  2. Tarcísio3/01/2013

    Oi Bruno, sim, juro alto agrava o problema exatamente pq a origem n foi atacada. A questão é que brigar com monopólio é mais difícil que brigar com o povo (consumidor). É só uma tentativa de dar uma resposta pra população, batendo nela mesma, já que ele tem dificuldade de administrar os preços dos monopólios. No fundo até resolve um pouco pois os preços administrados recuam.. como representam 70% da lista de preços isso acaba ajudando a manter a inflação na meta, por mais que nós paguemos por isso.

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  3. Desculpe minha ignorância, só entendi agora com sua explicação, e lendo novamente o texto. Chega a ser desonesto da parte do governo fazer isso pra bater a meta de inflação.

    Com seus textos e lições já consigo acompanhar boa parte dos noticiários e jornais sobre economia, muito obrigado.

    Teria algum livro ou alguma diretriz pra continuar aprendendo economia de maneira autodidata? Acabei pegando gosto pela coisa..

    Mais uma vez parabéns pela iniciativa, tem me ajudado muito.

    Abs,

    Bruno

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  4. Tarcísio3/08/2013

    Oi Bruno, grato!

    Infelizmente não há nenhum material didático disponível sobre o assunto, não que eu saiba. O meu blog é, talvez, a coisa mais didática sobre o assunto, exatamente pela dificuldade em recomendar alguma leitura pros meus alunos. Resolvi eu mesmo escrever. Livros de economia são sacais, cheios de gráficos e feitos com um único objetivo, vender.

    De qualquer forma, apesar de ter feito graduação e mestrado em economia, boa parte do que aprendi foi lendo sozinho e assistindo debates na tv. A globo news tem excelentes programas de economia. Acho que com isso, em pouco tempo, vc estará entendendo bem a economia, O resto é pesquisar na net um ou outro artigo mesmo que ajuda bastante. ok?

    abraços

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  5. De fato, esse blog foi um achado.

    Tenho acompanhado os programas da Mirian Leitão na Globo News, e algumas vezes o Conta Corrente. Estou conseguindo acompanhar relativamente bem as discussões, apesar de ainda demorar pra fazer as relações causa-efeito.

    Gostaria de aproveitar a oportunidade para perguntar-lhe sobre um assunto que está pululando nas redes sociais, e quiçá até na mídia. O Liberalismo (ou Libertarianismo), aquele de Friedman, Mises, Hayek e toda trupe, tem ganhado espaço na internet e parece-me que a coisa está crescendo. Não obstante a corrente de vloguers e páginas libertárias no facebook (tem até correntes anarco-capitalistas), a Veja dessa semana entrevista Rodrigo Constantino, economista que defende a separação entre estado e economia, o famoso livre mercado.

    O que acha desse assunto? Pelo seu posicionamento no blog, creio que você não ache de todo o mal a intervenção estatal na economia, visto que algumas vezes esta se dá necessária.

    Bom, é isso. Mais uma vez parabéns pela incrível iniciativa de permitir o acesso ao conhecimento a todos.

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  6. Tarcísio3/11/2013

    Bruno, essa discussão ideologica volta sempre. O liberalismo, do ponto de vista prático, já nasceu morto, mas a ideologia lhe dá uma sobrevida impressionante. Eu comparo o capitalismo a um adolescente drogado. Vai pra rua bravo, diz que não é drogado, é só usuário, se diz independente, faz o que quer, reclama que não gosta de ser controlado, que n adianta etc etc. Aí quando a coisa aperta, quando falta dinheiro, quando entra em crise, bate na porta de casa e pede ajuda pra mãe (o Estado). E tem sido assim, crise após crise, os empresários extremamente "competentes", fazem um monte de cagada e batem na porta do governo pedindo ajuda. Eu adoro o capitalismo, mas como uma criança mimada e drogada, ele precisa de controle e umas palmadas de vez em quando. E deveria ser continua a assistência, assim evitariamos crises tão fortes. Vi um artigo desse Rodrigo hoje no infomoney. É exatamente o tipo jovem rebelde. Precisa de umas palmadas pois n fala coisa com coisa. rs

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  7. ahaauahauahahuhauhauhahauhahauhauaha..Sensacional a analogia! Me matei de rir aqui..

    Valeu pelas respostas e pela atenção, Tarcísio.

    Abs,

    Bruno

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