Na política fiscal comentamos que apesar do superávit primário temos um grande déficit operacional mensal. O que fazer então para arrumar dinheiro e pagar esse déficit? Uma alternativa comumente alegada é que o governo pode emitir moeda, fabricar dinheiro, e quitar esse déficit operacional. Vejamos o resultado disso. Imaginemos que o governo pague R$1 bilhão da dívida interna a partir da emissão, fabricação, de moeda.
Qual o impacto disso na economia? O quadro abaixo mostra um esquema bem simples ilustrando esse efeito. O dinheiro vai para o caixa dos bancos e, como já explicado, dinheiro estraga e os bancos precisam emprestá-lo para que não seja corroído pela inflação. Mas o que acontece a partir desse depósito inicial? Imaginemos que o banco A receba esse dinheiro. São novos 1 bilhão para serem emprestados. Ele empresta quase todo o dinheiro, deixando no caixa apenas uns 10% para garantir saques eventuais. O resto é emprestado para empresários e famílias. Imaginemos que um empresário pegue o empréstimo e deposite no seu banco B e a partir daí o utilize por meio de cheques, cartões etc em seu novo investimento. O Banco B, sabendo que o empresário não gastará o dinheiro imediatamente, e pouco dele em espécie, sendo a maior parte por cheques, cartão etc. Diante disso deixa apenas 10% para saques eventuais do empresário. Se o banco B guarda apenas 10% dos 900 milhões (90 milhões) tem disponível em seu caixa 810 milhões para novos empréstimos, que serão feitos a seus clientes, os quais depositarão esse dinheiro em outros bancos, C, D, E etc. Daí pra frente seguimos o mesmo raciocínio.
Bancos | depósito | encaixe | saldo disponível |
A | 1.000.000,0 | 100.000,0 | 900.000,0 |
B | 900.000,0 | 90.000,0 | 810.000,0 |
C | 810.000,0 | 81.000,0 | 729.000,0 |
D | 729.000,0 | 72.900,0 | 656.100,0 |
E | 656.100,0 | 65.610,0 | 590.490,0 |
F | 590.490,0 | 59.049,0 | 531.441,0 |
G | 531.441,0 | 53.144,1 | 478.296,9 |
H | 478.296,9 | 47.829,7 | 430.467,2 |
I | 430.467,2 | 43.046,7 | 387.420,5 |
J | 387.420,5 | 38.742,0 | 348.678,4 |
K | 348.678,4 | 34.867,8 | 313.810,6 |
L | 313.810,6 | 31.381,1 | 282.429,5 |
M | 282.429,5 | 28.243,0 | 254.186,6 |
N | 282.429,5 | 28.243,0 | 254.186,6 |
O | 254.186,6 | 25.418,7 | 228.767,9 |
P | 254.186,6 | 25.418,7 | 228.767,9 |
... | ... | ... | |
TOTAL | 8.248.936 | 824.893 | 7.424.043 |
O que concluímos é que o pagamento inicial da dívida de 1 bilhão de reais virou uma série de outros depósitos e novos créditos. Na medida em que o tempo passa e esse esquema avança percebemos que o 1 bilhão inicial se transforma em 7 bilhões 400 milhões de reais na forma de empréstimos, ou seja, 7 vezes mais - na verdade, o multiplicador continua agindo até que a garantia equivalha ao bilhão inicial, pois nesse ponto o multiplicador é igual a zero.
Os depósitos a vista, se somados, chegaram a 8 bilhões e 200 milhões. É um dinheiro que não existe, simplesmente porque se todos forem sacar seus depósitos haverá na economia apenas os 10% reservados por cada banco, que equivalem aos 1 bilhão depositados inicialmente. Por isso o medo de um saque em massa nos bancos em tempos de crise. Não há dinheiro disponível, a economia vive de um dinheiro virtual, o crédito. Esse dinheiro não tem lastro (moeda como garantia), e como o sistema (as pessoas) nunca sacarão todo o dinheiro depositado ao mesmo tempo (salvo em períodos de crise aguda), o pouco de dinheiro que existe (10%) serve para satisfazer os que precisam de moeda de imediato. Isso só é possível porque a maior parte das transações na economia moderna ocorre não com dinheiro à vista, mas por cartões, cheques etc, e como esses vencimentos nunca acontecem na mesma data o sistema não entra em crise. Resumindo, quando fazemos uma transferência bancária transferimos dígitos; quando pagamos algo no cartão pagamos com dígitos; quando recebemos o salário na conta, recebemos dígitos; quando abrimos uma linha de crédito, temos dígitos; quando compramos a casa, pagamos com dígitos; quando fazemos uma transferência pra poupança, aplicamos em fundos, ações etc, aplicamos dígitos.
Agora dá pra entender o porquê de tanta preocupação do governo em controlar a quantidade de dinheiro nos bancos (via taxa selic ou outro mecanismo) - principalmente, evitando emitir moeda nova. Se cada real depositado se multiplica por 7 na forma de crédito o efeito sobre a inflação pode ser considerável. Surge daí a necessidade de controlar a disponibilidade de dinheiro nos bancos. Essa capacidade que os bancos tem de multiplicar “dinheiro”, crédito, é chamado de multiplicador monetário, ou multiplicador bancário. E graças a isso o capitalismo cresce e sobrevive, mas também pode trazer inflação pelo excesso de crédito e consumo.
Em suma os bancos nada fazem que vender sua mercadoria, criando crédito. Isso por um lado é bom para o capitalismo pois provoca o crescimento e a geração de empregos, mas por outro pode gerar inflação. Cabe ao governo evitar os excessos..
Uma última informação. Dados do banco central referentes ao mês de julho de 2014:
- Total do Meio Circulante (dinheiro em espécie): R$ 191.890.000.000 (192 bilhões de reais, aproximadamente)
- Crédito bancário total na economia: R$3 trilhão (3 trilhões de reais)
Ou seja, circularam em julho de 2014 um total de dinheiro, em espécie (notas e moedas), de 192 bilhões de reais. Os bancos se encarregaram de multiplicar isso transformando-os em aproximadamente 3 trilhões de reais - é o multiplicador bancário atuando. Considerando que quem emite reais é o governo seria muito fácil quitar sua dívida interna com os bancos, bastaria emitir moeda. Imaginem, então, se o governo pagasse toda a dívida interna, na casa dos trilhões, em cash, com emissão de moeda?! Em quanto esse trilhão se transformaria na forma de crédito, consumo e, consequentemente, inflação?? Ou seja, a dívida interna do governo não pode ser paga!
A título de comparação, no final de 2014 havia mais de 600 bilhões de reais depositados na caderneta de poupança. Se todos os poupadores resolvessem sacar suas economias e colocá-las debaixo do colchão os bancos só teríamos 192 bilhões, em notas, para devolver.
A título de comparação, no final de 2014 havia mais de 600 bilhões de reais depositados na caderneta de poupança. Se todos os poupadores resolvessem sacar suas economias e colocá-las debaixo do colchão os bancos só teríamos 192 bilhões, em notas, para devolver.
Parabéns pelo blog! Achei muito útil esta lição.
ResponderExcluirMas vejamos uma coisa:
Pelas suas palavras depreende-se que é muito fácil acabar com a divida do Estado à banca...Basta criar mais moeda...não?
O problema, na minha óptica, é que ao lançar todo esse dinheiro em cash para o sistema bancário há, consequentemente, uma subida brutal da taxa de inflacção e caimos na mesma crise outravez...
Claro que num sistema bancário muito controlado, onde o dinheiro entrasse, resolvesse a questão da falta de capitalização da banca, mas não pudesse ser posto à disposição dos investidores (ou apenas uma parte dele), a crise financeira via o seu fim!
Os défices dos governos diminuiam, a economia contraia menos e as pessoas passavam por esta crise de forma mais fácil...
Oi João, grato.
ResponderExcluirNa verdade eu falei o oposto no fim do artigo. A única coisa que o governo n pode fazer é pagar a dívida interna, pois o resultado seria sim inflação. Até pq isso se agrava com o efeito multiplicador.
abs
E se, em vez de transmitir essa liquidez toda para o mercado interno, criasse barreiras legais que impedissem isso.
ResponderExcluirOu seja, o Estado paga as suas dividas aos bancos (divida interna) de 1.000M€. Mas cria uma Lei que proibe a injecção desse capital no mercado, ou permite apenas uma percentagem da entrada dese capital no mercado, por exemplo 10%. O Estado apenas passava para o mercado 100M€, ficando 900M€ nos bancos (como recapitalização).
Assim, todas as dividas ficariam saldadas, o defice orçamental acabava, e a inflacção mantia-se constante, pois não haveria dispersão desse capital no mercado.
Isto é possível ou estão-me a escapar muitas variáveis?
Ou seja os bancos apenas podiam devolver ao mercado 100M€ e não os 1.000M€ que acabavam de receber...
ResponderExcluirPodia-se até prever que todos os anos podia ser injectado 10% desse capital no mercado, reduzindo assim a necessidade de financiamento pelos próprios bancos.
Oi João, na verdade não é tão simples. Primeiro, pq os bancos vivem dos empréstimos desse dinheiro ao povo, governo ou empresas. Se o governo trava isso eles deixam de ganhar. Segundo pq se o govenro n permite esse dinheiro de cirular e força os bancos a deixá-los parados a inflação corroi, o que é, certamente, mais prejuizo pros bancos. Observe que o governo já faz o que vc falou por meio do tal do empréstimo compulsório, é dinheiro obrigatoriamente deixado com o banco central dos novos depositos diários. No Brasil isso está acima de 60% se não me engano. E, ainda assim, os outros 40% geram um volume de crédito e consumo impressionantes. Então, qualquer pagamento mínimo da dívida já resultaria em consumo, mesmo que pouca parte desse dinheiro fosse utilizado pelos bancos para empréstimos.
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